segunda-feira, 29 de setembro de 2025

Incontido como o mar


Não sonhei com amor

Não sonhei com leões; sonhei com gatos, com cobras, memórias tristes, gente indo embora, felizes; aviões não caíam, tinha tempestade, quase chovia, fechava as janelas das lembranças e só tinha o céu, em acalanto.

O mundo todo com pressa, a gente gozando, prometendo o fim da guerra, vinhos e sonhos; lembrei de putas tristes, frio nas costas, guimbas de cigarros, sua voz doce e rouca, me espalhando no cobertor, na cama.

Mas segundas-feiras são só desculpas que a gente dá para arrumar a vida, diminuir a bagunça, acalentar as ressacas, a esbórnia ter fim. Por que você disse a porra do te amo? Não é amor. Quem sou eu pra definir sentimentos alheios? Mas não é justo comigo.

Desculpe, não é amor. Ninguém que gosta de você vai te deixar em silêncio, vai te deixar no vácuo, vai esquecer de se lembrar de você. Não dá pra gente acelerar o tempo. Pular etapas. Eu sei, não tem uma regra, nem linha cronológica. Afeto é só questão de existir. Mas não é amor.

A gente nem viajou, não sonhou acordado, não ficamos até tarde sentindo tédio um do outro. Eu nem te fiz a massagem que te prometi desde o primeiro dia. Por culpa sua, é verdade. Me enrolou e só queria me comer. Te amar foi bom. E eu te amei. Mas não é amor.

Procurei tantos motivos pra te fazer ficar, que até esqueci que prometi não amar mais ninguém. Não posso te dar o que ainda não tenho. E você sabe que não é amor. Eu respeito bem minhas fragilidades, antes de tudo, minhas vulnerabilidades. Consigo ser seco feito um jogo de futebol russo, mas queimo por dentro sem explodir.

Não tem como eu contar tudo pro meu terapeuta, as vinte e quatro horas de montanha russa que a gente percorre. Eu amo seus olhos sorrindo pra mim, somos dois estranhos, clandestinos que prometeram se amar. Mas não se amam. Porque você é jovem demais. Eu sou intenso demais, problema demais. Nossas águas escorrem em oceanos opostos, que quando encontra o rio, nos afastam e seguimos caminhos distintos.

Nunca menti pra você. Sou uma bomba. E agora, eu não me recomendaria nem ao meu melhor amigo. E só ele sabe o que acontece quando o mar está agitado. Ninguém ama minha renúncia. A minha sentença é solo. Entende? Nós não somos feitos para o mesmo mar, mas é claro que podemos nos divertir. Quando você se decidir. Tem amor que é quase impossível.

É fácil gostar de você. É fácil me encontrar deprimido. Eu me visto de azul, me camuflo em tons alegres, cara fechada e coração difícil de ser penetrado, quem fica um pouco, percebe que é só fachada. Tudo para esconder que não se entrega rápido demais. Você seria capaz de se apaixonar por mim?

Não, não é amor.

Eu agora quero falar de paixão.

Por paixão a gente também fica. A gente se declara, arruma briga e se separa. Mas tem que estar disposto.

Estou cansado de desfazer fantasias.
Acolhe meus dias tristes?
Te escrevo todos os dias.
- É a minha forma de dizer te amo.

Mas não é amor.

Preciso agarrar minhas sombras, se decidir ir embora, até prefiro que seja agora. Não vai doer tanto.

Te olho como o Pequeno Príncipe olha para rosa dele. É meu encantado. Corri o risco de chorar um pouco, desde que fui cativado. Dorme no meu abraço de novo, pra sentir o amor que nunca te deram. Eu não vou desabar.

Acabaram meus comprimidos, dessa vez, sem desmoronamentos.
Ah, e vê se não esquece de ser brilhante!

Hudson Vicente.

quarta-feira, 24 de setembro de 2025

Recaída


Não eram dias perfeitos.

Dormia e acordava, nem dava conta das horas; no olho, pupilas dilatadas, tentando se encontrar. Não tinha mensagem. Mas tinha gatilhos, muitos, todos em volta para te atacar.

Criava histórias que nunca saíam da sua imaginação. Observava o outro vivendo sua mentira, enquanto vivia o próprio calvário. Pensava o tempo todo em acabar com a brincadeira. Adorava se torturar vendo o outro fingir, manipular, dissimular.

Não vai beber? Ignorava todos os sinais. Estava tudo tão claro. Tão jovem, tão sem governo, mas disse que te ama.
Bateu. Acabou com você. No pior momento. E você acreditou. Ele te ama e está dormindo com outro. Planejando a vida, te cozinhando enquanto você mal tem vontade de levantar da cama. Mas levanta, respira fundo, sem drama.

Reconhece seu papel, o seu lugar, ainda confuso. Contraditório. Vulgar. Dessa vez é diferente, vocês não precisam trocar mensagens escondidas de madrugada. Mas ele some. E depois volta com olhinhos brilhando, é dócil, é amável, como você gosta.

Quis tanto o amor que agora aceita do jeito que vem. Ele te ama, mas dorme com outro. Na cama em silêncio, fazendo barulho, falando com você. O vento sopra e você outra vez se sabota. Criando história em cima de uma história. Gosta de se mutilar.

Ele é exatamente intenso como você era. Há dez anos atrás. Te fascina. Te ganha. Te encanta. Te traz vida. E você que suspira solidão, deprimido entre o álcool e comprimidos, voltou a sentir tesão.

O coração acelera, a música não toca. O bloco não sai. Ignora os sinais. Quando desencantar, vai olhar pro espelho, vai dizer quem é você, soltar suas águas de volta pro mar. Lá você aprende. Ou nada ou afunda. Você é imenso agora. Sem revolta. Você ia tão bem...

Hudson Vicente.

segunda-feira, 22 de setembro de 2025

Um peso chamado eu


Pode ser cruel isso que vou te falar, mas eu não sou o que as pessoas procuram.

Sou aquele tipo de pessoa que não preencho as expectativas de ninguém. Sou sempre aquele que sobra, que é escolhido por último para fazer parte dos grupos, quando já não tem mais boas opções, isso desde a escola, depois na faculdade, agora até em certos grupos de amizade. Parece que não preencho o requisito.

Sou aquele que nunca é suficiente pras pessoas. Com isso, tive que aceitar e me encarar, era assim. Também não era suficiente pra mim. Nunca inteiro, sempre uma parte, remendada. Sempre uma sobra, uma falta que não faz falta.

O olhar de inconformismo das pessoas, da falsa aceitação, tive que lidar a vida inteira com isso, até aqui. Doeu em cada ponto. Fui programado a duvidar de mim.

Então, se você chega agora e me diz que eu não sou isso, desculpa, não vou acreditar, não é assim.

Ainda vai levar um tempo para eu não me encaixar na prateleira secundária das pessoas.

Sempre achei que pegavam pesado comigo, mas jamais tive força na voz para contrariar. Aceitei um jogo do qual não tive escolhas, embora conivente. Me deram esse papel e me fizeram acreditar que eu era só mais uma opção, nunca a prioridade.

Não quero que sintam pena de mim, quero que me respeitem. E tenham paciência, porque agora, preciso me acolher primeiro. Entender que sou suficiente. Parar de ser cruel.

Benevolente.

Hudson Vicente.