Não sonhei com amor
Não sonhei com leões; sonhei com gatos, com cobras, memórias tristes, gente indo embora, felizes; aviões não caíam, tinha tempestade, quase chovia, fechava as janelas das lembranças e só tinha o céu, em acalanto.
O mundo todo com pressa, a gente gozando, prometendo o fim da guerra, vinhos e sonhos; lembrei de putas tristes, frio nas costas, guimbas de cigarros, sua voz doce e rouca, me espalhando no cobertor, na cama.
Mas segundas-feiras são só desculpas que a gente dá para arrumar a vida, diminuir a bagunça, acalentar as ressacas, a esbórnia ter fim. Por que você disse a porra do te amo? Não é amor. Quem sou eu pra definir sentimentos alheios? Mas não é justo comigo.
Desculpe, não é amor. Ninguém que gosta de você vai te deixar em silêncio, vai te deixar no vácuo, vai esquecer de se lembrar de você. Não dá pra gente acelerar o tempo. Pular etapas. Eu sei, não tem uma regra, nem linha cronológica. Afeto é só questão de existir. Mas não é amor.
A gente nem viajou, não sonhou acordado, não ficamos até tarde sentindo tédio um do outro. Eu nem te fiz a massagem que te prometi desde o primeiro dia. Por culpa sua, é verdade. Me enrolou e só queria me comer. Te amar foi bom. E eu te amei. Mas não é amor.
Procurei tantos motivos pra te fazer ficar, que até esqueci que prometi não amar mais ninguém. Não posso te dar o que ainda não tenho. E você sabe que não é amor. Eu respeito bem minhas fragilidades, antes de tudo, minhas vulnerabilidades. Consigo ser seco feito um jogo de futebol russo, mas queimo por dentro sem explodir.
Não tem como eu contar tudo pro meu terapeuta, as vinte e quatro horas de montanha russa que a gente percorre. Eu amo seus olhos sorrindo pra mim, somos dois estranhos, clandestinos que prometeram se amar. Mas não se amam. Porque você é jovem demais. Eu sou intenso demais, problema demais. Nossas águas escorrem em oceanos opostos, que quando encontra o rio, nos afastam e seguimos caminhos distintos.
Nunca menti pra você. Sou uma bomba. E agora, eu não me recomendaria nem ao meu melhor amigo. E só ele sabe o que acontece quando o mar está agitado. Ninguém ama minha renúncia. A minha sentença é solo. Entende? Nós não somos feitos para o mesmo mar, mas é claro que podemos nos divertir. Quando você se decidir. Tem amor que é quase impossível.
É fácil gostar de você. É fácil me encontrar deprimido. Eu me visto de azul, me camuflo em tons alegres, cara fechada e coração difícil de ser penetrado, quem fica um pouco, percebe que é só fachada. Tudo para esconder que não se entrega rápido demais. Você seria capaz de se apaixonar por mim?
Não, não é amor.
Eu agora quero falar de paixão.
Por paixão a gente também fica. A gente se declara, arruma briga e se separa. Mas tem que estar disposto.
Estou cansado de desfazer fantasias.
Acolhe meus dias tristes?
Te escrevo todos os dias.
- É a minha forma de dizer te amo.
Mas não é amor.
Preciso agarrar minhas sombras, se decidir ir embora, até prefiro que seja agora. Não vai doer tanto.
Te olho como o Pequeno Príncipe olha para rosa dele. É meu encantado. Corri o risco de chorar um pouco, desde que fui cativado. Dorme no meu abraço de novo, pra sentir o amor que nunca te deram. Eu não vou desabar.
Acabaram meus comprimidos, dessa vez, sem desmoronamentos.
Ah, e vê se não esquece de ser brilhante!
Hudson Vicente.
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