terça-feira, 26 de outubro de 2021

Enquanto encontro


Escreve
E começou a gargalhar
Menino, escreve
Começou a me falar
Escreve
Comecei a transpirar
Gargalhava alto
Não conseguia te enxergar
Sua voz ainda doce
Escrevia para mim
Abre os olhos e te ama
Menino
Escreve que eu vou te dar o mundo
De olhos ainda fechados
Continuei
Pensei em tantas vezes desistir
Escreve, é seu maior sonho
Escreve que eu te acalento
Os sonhos adormeceram
Tentei fugir de todos
Silenciei
Parei de escrever
Cogitei dizer ao mundo que parei
Queria dizer a todos que fracassei
Nas escolhas, na escrita, em desistir
Falhei
Enquanto ela gargalhava
E pedia pra eu não parar
A poesia como fonte inesgotável
Não acaba
Sua risada é como um manto
Que se abre e me protege
Até de mim mesmo
Não consigo parar
Não quero abandonar todos os meus sonhos
Mesmo que eu falhe
Me acabe
Enlouqueça
Ela está me dizendo pra eu não parar
Um dia partirei, ela sabe, eu sei
Não muito tarde, nem muito cedo
Mas um dia eu caminharei sem dor
E não sentirei mais nada
Quando eu desencarnar daqui
Vou deixar tudo isso escrito
E todos saberão como fora para mim existir
Eu terei todas as palavras do mundo
E talvez elas sejam simples
Sairá a poesia mais bonita dos meus olhos
Todos então ouvirão sua gargalhada
E se lembrarão de mim
Faço da minha existência poesia
Minha resistência pra não partir
Seguirei tentando
Escrevendo, como ela me pediu
Um dia, salvarei a mim mesmo
Como ela fez
Escreve, Menino
Encanta, Poeta
No teu canto, doce, gargalhava
São olhos da rua
Escreve, agora, para mim.

Hudson Vicente.