domingo, 29 de dezembro de 2019

Sutil igual batida de trem

As luzes se apagaram às nove da noite.
Não era um homem rico nem tão bonito.
Sorria comum como se o mundo tivesse dado certo.
Seus planos era viver só até os sessenta.
As contas nunca batiam.
Perdeu o último horário do ônibus.
Saturado, a vida ainda o prendia aqui.
Como pode alguém tão jovem parecer velho?
Dentro dele já não existia mais fim.
Lembrou das suas vitórias e se prendeu a elas como se fossem a coisa mais importante a ter partido.
No mais sublime ato de sua vida, partiu.
Sem medo, agora virou estrela.
De repente o céu ficou decadente.
A Terra não era um bom lugar.
À ele, o amor nunca alcançou.
Que triste.
Pai, vai poder dormir até mais tarde.

Hudson Vicente.

sábado, 21 de dezembro de 2019

Feliz contigo por perto



tu vestiu teu melhor sorriso
não foi em vão
meu peito tua casa
parecia uma canção
preparei a saudade
esqueci da solidão
olhei pro céu, tranquilo
feliz, espalhei o perfume da Rosa
colorindo esperando o sol chegar
nem sei que horas são 
as nuvens encobriram o céu 
tantas estrelas parecia Verão
nem deu tempo de pensar
se era dia ou se era noite
um sarau de poesias sob nosso chão
dancei por três horas em devaneios
me encontro, te pego agora nas minhas memórias
me sinto feliz contigo por perto
teu cheiro de pétala me faz desabrochar
é covardia fechar os olhos e não sonhar
vou confessar:
eu gosto de ti,
pra começar.

Hudson Vicente.

terça-feira, 17 de dezembro de 2019

Partiu tão cedo



Parecia que era a última vez.
Ninguém sabia se ele ia voltar.
Ganhou um beijo dela, se despediu da mãe, brincou com a cachorra, deixou um cheiro na vó, olhou pela janela, agora ele sentia que não iria mais voltar.
Saiu de casa pela última vez, no caminho sentiu saudade dela, deu um aperto no coração. Deixou pra trás alguns sonhos, um quarto bagunçado na pequena viela dentro de uma grande favela, deixou pra trás o silêncio de uma nação.
Seu nome era José, mas poderia ter sido João.
Bateram
Bateram tão forte nele
Gritaram
Pediram pra parar
Quando parou
Era tarde
Foi embora
Tão cedo
Não deu tempo
Partiu
Tão breve
Quem viu?
Quem não contou 
Apontou o dedo
É sempre assim
Ninguém faz nada
Todo mundo se esquece
Às vezes riem do mal
Debocham do certo
Tempo não muda
Não notou nada?
José ainda não chegou.
Nem vai voltar.
Aflito, todo mundo chora na dor.
Amanhã nasce Pedro e o mundo vai girar.

Hudson Vicente.

quinta-feira, 12 de dezembro de 2019

O homem e sua barba escura



feito um balão
voou bem alto
e soltou as mãos
tem medo do abismo
teu penhasco é sonhar
tu caiu de cabeça
não sobrevoou
restou cicatrizes
fim de espetáculo
as cortinas se fecharam
perdeu tempo
e nem se apaixonou
teu céu que desabou em nós.

Hudson Vicente.

quarta-feira, 4 de dezembro de 2019

Confabulei



Eu lembro que te desejei naquela noite, quando nossos olhares se cruzaram, na varanda, em frente à piscina, um aperto de mãos, frio, mal deu tempo de te puxar nas memórias. Era estranho. A gaveta do tempo estava bagunçada. O importante é que não éramos quem fomos. Agora somos nossas melhores versões. Meus pensamentos te atacam durante os dias, não é breve, sinto lonjuras de nós. Receio, por assim dizer. Quebraram o encanto. Não te olho, te vejo. Me enxergo encantado com tudo que vem de você. Tenho meus pés atrás. O histórico ainda é conturbado. Os finais são desgastantes. É preciso tirar toda poeira da estante. Aos olhos do Poeta, você é uma poesia pronta que ele está tentando confabular. Você tem sido abraço, sorriso, conforto, amigo. Estava meio perdido, parece que você chegou e perguntou se queria ajuda pra encontrar. Te achei, me achei. Você não é como o outro dizia que era. Estou me divertindo. Não é nada piegas dizer que o amor é importante. Vou deixar ele mais pra frente. Quem sabe um dia a gente não se encontra por lá? Parece que antecipei o ano novo, pulei as ondinhas e agradeci por ter descoberto aqui. Isso é tão cafona quanto uma carta que havia escrito há uns meses atrás e rasguei. Talvez nem me leve a sério, não faz mal. O passado passou do meu lado no outro dia e eu não senti nada. Aprendi a me levantar sozinho. Admiro os olhos encorajados, que me deixam louco, quando você sorri, pronto, eu me desmonto todo. O vento que soprou naquela noite, ainda me deixa com o frio na barriga em descobrir: quem é você?

Hudson Vicente.

segunda-feira, 2 de dezembro de 2019

Dois vira-latas numa noite suja



teu fogo é brando
não queima,
explode
como dois corpos juntos
se colidem
em um festival de emoções
se enroscam
à noite
depois vira cada um pro seu lado
e sonha
e ama
de um jeito ou de outro
se encontram
na calada da noite
geme tão alto
que se pode ouvir chamar teu nome
o outro sussurra
e bate no rosto
morde as costas
ofegante
sente latejar
imersos no prazer
gozam
plenos
sujos igual dois vira-latas
guardiões da rua
nu
ele te olhava
enquanto você o chupava
e pedia mais.

Hudson Vicente.