quinta-feira, 17 de agosto de 2023

O mito do insubstituível


Às vezes me distraio mais do que deveria. Me ocupo o tempo inteiro achando que estou disfarçando. O ponteiro no relógio não demonstra minha preocupação. Fico encabulado pensando se toda essa experiência tem valido a pena. O tempo parece que foi calculado para nos instigar.

Assisto os dias nascerem e morrerem, não dou conta das flores ou das primaveras, estou sempre correndo mesmo parado, não dou conta nem das estações. Mas se abro a janela, está tudo em paz.

A sensação de assistir o tempo passar, me causa estranheza e arrepios. Notei cabelos brancos demais em algumas cabeças, pés de galinhas em alguns sorrisos, peles enrugadas por vários corpos, muitas marcas de expressões como num todo. Estamos envelhecendo. É estranho algo tão natural ser encarado com certa destreza, rispidez, mas está lá, escrachado bem na nossa cara.

Cresci ouvindo que a juventude era uma banda, também passou rápido. Enquanto vivia, a gente agonizava, pouco se aproveitava do gozo, de dar um sentido pra vida. Ela é rápida. E o tempo sempre cruel. Danado, quem são os verdadeiros passageiros?

Hoje me arrepio só de pensar enquanto me adio. Procrastino como se desfrutasse do melhor pecado que não está na lista. Ou está? Ou deveria.

Quando a gente é jovem demais, a gente não tem medo de arriscar tudo em um fim de semana. Depois a gente dá um jeito. O mês rende, a pilha não acaba. Dinheiro vai, dinheiro vem. E ficamos sempre procurando uma "energia perfeita". Às vezes os acúmulos nos levam aos vícios. As bagagens pesadas, desmoronam feito um castelo de cartas. O Carnaval tem fim, até a festa acaba. A gente envelhece e só depois de muitos danos, se dá conta de que o tempo passou. Ou seríamos nós que passamos através dele?

Já assisti tantas vezes o dia nascer raiando, imponente, enquanto os olhos estavam esbugalhados se revirando na cama, fingindo sensatez, rezando para descansar, aparecer um botão de desliga em qualquer lugar do corpo, quando os comprimidos já não faziam mais efeitos. Virado, colocando a culpa na insônia. Arrependido de tanto procurar "a vibe perfeita". Sozinho, na maior parte do tempo, a gente se sabota.

Nós somos tantos. Eu mesmo já fui vários, que é difícil dizer qual o meu auge, qual o meu declínio. Ser jovem é bom. Não penso em deixar de ser. Me assusta não ser mais. Ansiei tanto que agora quando escrevo já percebi o quanto deixei para trás. Músicas, memórias, abraços, namoros, pessoas de todas as formas, roupas velhas, meus eus de quinze minutos atrás. E amanhã, em outro tempo, já fiquei velho. Seria cruel demais?

Estático, já me desapaixonei, assistindo o vento passar, o sol nascer, o dia morrer, a noite aflorar, a maré encher, o globo girar, e quem não sentiu? Certamente também se perdeu. Se reencontrou, se notou, realinhou os chakras, se benzeu.

Sentimos o tempo, o tempo todo. Temos ansiedade, medo de perder alguém, de não ser alguém (a maior bobagem, já somos), sentimos frio, apavoros (quando não sabemos lidar) com a solidão. Nos assustamos com nossa própria mente. Que bom que entendemos o quão perfeitos não somos. Imagina só, um bando de gente igual?!

Aprendemos tanto com o tempo através da vida, efêmeros. Nunca somos. Sempre estamos. Hoje estou aqui, não tenho tantas rugas, a coluna já dói mais que o joelho, os olhos sempre precisam descansar de tanta claridade, miopia virou astigmatismo, as festas ficaram ruins, o barulho do ventilador é mais agradável no silêncio cru do quarto, as fantasias precisam pegar poeira no fundo do armário.

Vou ganhando cada vez mais noção do tempo. E percebendo que desperdiçá-lo é uma falta lá na frente. Ele vai continuar passando, independente de mim, do mundo. Se fizer sol, ele vai passar. Se dormir cedo, ele também vai passar. Se me convenço de que isso tudo aqui não valeu a pena, então tem alguma coisa errada.

Tantas bagagens, memórias; todas esquinas, tem um pouco de minhas histórias. Vou continuar divagando pelo tempo, até mesmo quando não estiver mais aqui. O mito do insubstituível, calado e sorrindo, o tempo passa por mim. Eu assisto.

Hudson Vicente.