segunda-feira, 21 de março de 2016

É domingo


Hoje sentei e esperei o dia passar, hoje o amor queria flores, abraços e companhia. Era domingo. Ou talvez pensasse que era sábado, não importa. A música era suave. Tinha uma melodia meio nostálgica, para não dizer quase triste. O sorriso saiu meio contido, tremido, era meio vazio, precisava ser preenchido. Não pesava nada. Ele queria paz, mas não cessava. Fervia. E como gostava... No fundo todos nós conhecemos aquele belo sujeito alto, de sorriso aberto que gosta de seduzir. Calma, eu estou falando dele: do amor. É que o amor tem várias caras, formas e conteúdos. Não tem regras. É solto. É um grito no escuro. Assustado. Dormente. Uma droga forte. Um pássaro que canta sua liberdade. Um drink nos bares da vida. Às vezes é ferida. Pesado. Ora leve como voar. Antes que eu me perca nas divagações... Ele era simplesmente um acontecimento (dentro de mim). Por mais moroso que eu possa suportar ser.
O azul de um céu de março, de tarde, no meio da cidade. É, houve saudade. E que me desculpem, mas saudade não é saudável. Precisa ser matada. E domingo... Bom, nunca é um bom dia. Percebo nos olhos das pessoas um olhar tênue. Elas se vestem de domingo. São meio caretas e gentis umas com as outras. Elas não ousam. Parecem castradas. Não tem voz de comando. Apenas aceitam. Enquanto no sábado libertam suas feras, seus demônios particulares. E cá estamos nós aqui de novo. Na segunda. Mais uma pra nossa conta. Aquele dia que é mais vontade de morrer e se arrastar a semana toda na espera da sexta. Onde a gente até se declara. Segura forte na mão dele e pede para dar certo. Respira fundo, faz cara de paisagem e se conforma. Cara, já são duas da manhã e eu to aqui escrevendo coisa com coisa pra quem mal me lê, mal me vê, mas que me tem. Não é culpa da bebida, eu estou sóbrio, juro. A minha lucidez me faz girar num carrossel de sentimentos. Eu não posso falar e gritar para todo mundo aqui dentro de casa agora. Não posso atrapalhar a tentativa da minha mãe de ser feliz ao quarto ao lado. Estou com a janela aberta e a lua me contempla, não ouço nem barulhos. Eu diria agora que estou com ele aqui dentro de mim, mas isso soaria estranho. A liberdade dentro dele é uma invenção vista de quem está longe. Como pode uma pessoa lúcida se dizer livre enquanto tem outro dentro de si? A minha resposta é simples: ame. Seja quem for, se é amor, tem que ser livre! Se te prende não é amor: é crime de possessividade.
Hudson Vicente.

segunda-feira, 14 de março de 2016

Sem casa pra voltar



Pra onde você vai quando sente dor? Poeta, teu lugar é na vida, no peito, na alma, na rua, seja lá onde for, poeta. Me diz o que te afeta? Caminhar sem se encontrar, entender que o mundo não é um sonho mágico, observar a dor e inventar uma utopia, para brotar no peito deles uma rosa qualquer de esperança, mesmo que tardia. Me entende como me sinto? É como carregar todos os dias todos nas costas. E cansa... percebo que nem sempre tenho casa pra voltar, ora perco o ônibus até o horário do trem, vago na insanidade da madrugada onde vira-latas me cheiram até a alma, sem desconfiar do próprio medo. Um suspiro incapaz e eu me entrego. Uma droga forte, para um coração tão fraco; nos olhos dele eu vejo lágrimas que insiste em se fazer de Muralha da China, mas rapidamente se transforma em castelinho de areia. E ele tão perdido quanto eu, mal me nota. A gente se abraça quando a solidão grita, explodindo pelos bares, bêbados. No espelho do banheiro, apenas sinais de embriaguez, a gente se beija e quem entra se choca com a cena. Dois (i)mundos entrelaçados. Duas poesias que o dia a dia insiste em ignorar, foram notadas. Entre aplausos e vaias, sorrisos e lágrimas, entre amor e raiva. Quem vence? Ninguém vence. Fim de espetáculo. No chão, a platéia chocada com um mar vermelho derramado - crueldade, uns gritam; safadeza, outros dissimulam - sobre ele dois corpos friamente desnudos. Quem é o culpado? O amor senão fosse tão mesquinho com aqueles que não se permitem nascer. Talvez descansem em paz.


Hudson Vicente