sexta-feira, 25 de novembro de 2016

Se entrega: seja livre



O cansaço do meu pulso cansado, agora me impede de te escrever um bilhete, em um bloquinho velho de anotações. Não consegui levantar ainda. Meus olhos custam a encarar a luz do dia pelo buraquinho furado da cortina da janela. Não sei o que vou querer para o dejejum. Minha vó já levantou, aquela ali acorda cedo, diz que a vida começa pela manhã. Mamãe ainda não chegou do trabalho. Os passarinhos pousam na minha janela, emitem o som do meu despertador. Acho que é hora de acordar. Todos os dias eles veem, sempre em bando. Ok, eu me levanto. Agora vou acenar para o sol, desejar bom dia. Faço o que posso para adiar meu contato em sociedade. Vovô é adorável, sempre disposto a me dar um sorriso vazio cheio de alegria - é que nessa hora do dia, ele sempre se esquece de pôr a dentadura. 
Levantei e continuo adiando meu encontro com o papel à minha frente. Alguma coisa quer partir de mim. Eu sou teimoso, resisto. Acordei com a fome do amor. Ele (o papel) ainda me encara. Vou continuar ignorando. Limpo o rosto, tomo banho, troco de roupa e ponho o óculos escuro na cara. Dou mais uma olhada e ele ainda fica me devorando com os olhos. Meu último poema rendeu sete dias de uma longa e taxativa história. Muita gente se prendeu em vão. A arte se viu mais suja do que puta de beira de estrada. Tanto escândalo em volta de remorso às nove horas da manhã de uma quinta-feira de novembro de algum milênio atrasado, não deu em nada. A morte me seduzia com um copo cheio de vida na mão, durante minhas idas para o trabalho. Era divertido viver na corda bamba da sua saúde mental. Minha mãe se pudesse saber o que se passava comigo, certamente mandava me internar! 
É chegada a hora do poeta voar. Sem dor, sem caos. Só asas. Passarinho sem cor, me dá sua alma, te empresto meu voo. A cena que eu descreveria agora, era ele segurando meu copo de café, soltando minhas mãos, cantando sozinho. Vento é canto ou é grito? Depende do ouvido... Queria agora um abraço de vovó até o final da tarde, com cheirinho de carinho. É tão cedo para voltar pra casa, não comecei nem a metade. Vou mandar uma mensagem pra minha mãe para lhe dizer o quanto ela é importante. Parece que plantaram e floriu saudade. É que o coração viraliza qualquer gesto de afeto. Carinho, de fato, afeta. 
Partiu. Passarinho, você tem alma nas asas. Eu te escrevi coisas lindas mas não vou te enviar, to cansado de me entregar! 
Escrever é meu modo de ser livre. E eu amo a minha liberdade. 

Hudson Vicente.

segunda-feira, 21 de novembro de 2016

Desencontro se encontra?



Garoto infinito
te convido para olhar a lua
distantes
você em Júpiter e eu em Marte
damos risadas em perfeito contraste
contamos sonhos, números, medos
alguns dias escuros...
ouvimos uma de nossas bandas favoritas
e rimos sem desespero
dançamos um espetáculo na rua
nus
ninguém aplaude, se faz silêncio, cara feia
janelas fechadas, cabeças baixas
uma quase vaia, muda
recolhemos as asas, fim de espetáculo
cada um para o seu lado
sem despedida
sem mar, céu azul e alguns infinitos
visão turva de uma noite suja
até nossos demônios fizeram silêncio
agora você sol e eu estrela
um vai embora e o outro chega
quando um encontro se encontra?
depende do céu ou do planeta?
qual estação você deseja?
Primavera ou Verão?
que a Lua nova no Outono te aqueça!

Hudson Vicente.

quinta-feira, 17 de novembro de 2016

Eu quero ficar



Eu fiquei ali no cantinho, mudo, quase inexistente. Observava a todos em silêncio. Não fazia barulho, não reagia. Quem olhava não se comovia. Permanecia indiferente. Aceitei os gritos. Não condenei os erros. Absorvi as revoltas. Quase reagi às lágrimas, mas me mantive, ali, invisível. O Globo girava, o dia virava noite e vice e versa, eu permanecia esquecido. Não me deram a mão, não acenaram pra mim, jamais pensaram sequer em me afagar. De vez em quando implicavam e muitas vezes questionavam a minha existência. Tripudiavam da minha quietude. Diziam que eu deveria ser ou estar doente. Mal chegavam perto. Sempre olhavam de longe. Cansado, eu parti. Sem toque, sem despedidas, sem malas. Não fizeram questão. Aqui na rua, é escuro. A cada sombra, um frio e um medo. Não me protegem. Não me amam. Li que eu deveria amar. Soube que esperam muito de mim. Mas não me cuidam. É raro. Gritei em todos os ouvidos até ser ouvido. Os poetas me idolatram. Fiz muitos escritores me amarem. Uns usam as flores para me justificar, também dizem que o ciúme me justifica. Já até me condenaram por ser em excesso. Sempre me definem. Me dão versões. Me escrevem versos. Uns até me odeiam. Mas permaneço aqui. Dentro do seu peito. Faço tum-tum mais rápido que um tic-tac do relógio. Faço morada no seu coração. Sou o motivo da existência dele. Deveriam cuidar mais de mim. Me dar atenção. Assim eu existo. Me deem motivos para não ir embora. Eu quero ficar. Ainda não me descobriu? Eu estou preso entre um sorriso e um abraço. Às vezes eu voo. Fiz muitas declarações. Sou forte. Meio louco, quase insano. Resisto e persisto. Cometo erros. Duvidam muitas vezes de mim, admito. Mas eu... bom, sou o que há de melhor em você e nos outros. Acredita. Eu sou real. Já fui motivo de muitas lágrimas, já fui embora algumas vezes, mas nunca abandonei quem me sentia. Não há nada maior do que eu. Afinal, eu sou o amor. Cuida de mim. 

Hudson Vicente.

quarta-feira, 9 de novembro de 2016

Queria ser flor



Quis criar raízes, mas era aprendiz.
Aprendiz de poeta.
Ele parecia ela, queria ser flor
mesmo quando não era Primavera.
Sem espinhos, não feria, cheirava
cada pétala doce e suave.
Andou por alguns jardins, alguns espinhos
lhe feriu. Apesar da dor, suportou
calado e foi crescendo. A mais bela flor
do jardim do mundo, em qualquer pequeno quintal
dá pra ver rastros seus.
Germinou poesia, passarinhos e outras flores.
Cultivou. Cativou cada sementinha.
Quem lhe cuida, colhe o que planta:
amor. Floriu. Floresceu. Sorriu.
Até dentro de você nasce flor.

Hudson Vicente. 

segunda-feira, 7 de novembro de 2016

Porre semanal



escrevo na segunda tentativa
em uma terça com a difícil missão
de não chegar à quarta
teu romance de quinta me impediu
de sorrir às sextas
nosso dia sagrado
no sábado me afoguei na solidão
de um copo frio de vinho barato
para no domingo acordar com uma puta
ressaca e uma puta qualquer do lado
me perdi desde a primeira vez que
me embriaguei de você
como num porre semanal.

Hudson Vicente.