O cansaço do meu pulso cansado, agora me impede de te
escrever um bilhete, em um bloquinho velho de anotações. Não consegui levantar
ainda. Meus olhos custam a encarar a luz do dia pelo buraquinho furado da
cortina da janela. Não sei o que vou querer para o dejejum. Minha vó já
levantou, aquela ali acorda cedo, diz que a vida começa pela manhã. Mamãe ainda
não chegou do trabalho. Os passarinhos pousam na minha janela, emitem o som do
meu despertador. Acho que é hora de acordar. Todos os dias eles veem, sempre em
bando. Ok, eu me levanto. Agora vou acenar para o sol, desejar bom dia. Faço o
que posso para adiar meu contato em sociedade. Vovô é adorável, sempre disposto
a me dar um sorriso vazio cheio de alegria - é que nessa hora do dia, ele
sempre se esquece de pôr a dentadura.
Levantei e continuo adiando meu encontro
com o papel à minha frente. Alguma coisa quer partir de mim. Eu sou teimoso, resisto. Acordei com a fome do amor. Ele (o papel) ainda me encara. Vou
continuar ignorando. Limpo o rosto, tomo banho, troco de roupa e ponho o óculos
escuro na cara. Dou mais uma olhada e ele ainda fica me devorando com os olhos.
Meu último poema rendeu sete dias de uma longa e taxativa história. Muita gente
se prendeu em vão. A arte se viu mais suja do que puta de beira de estrada.
Tanto escândalo em volta de remorso às nove horas da manhã de uma quinta-feira
de novembro de algum milênio atrasado, não deu em nada. A morte me seduzia com
um copo cheio de vida na mão, durante minhas idas para o trabalho. Era divertido
viver na corda bamba da sua saúde mental. Minha mãe se pudesse saber o que se
passava comigo, certamente mandava me internar!
É chegada a hora do poeta voar.
Sem dor, sem caos. Só asas. Passarinho sem cor, me dá sua alma, te empresto meu
voo. A cena que eu descreveria agora, era ele segurando meu copo de café,
soltando minhas mãos, cantando sozinho. Vento é canto ou é grito? Depende do
ouvido... Queria agora um abraço de vovó até o final da tarde, com cheirinho de
carinho. É tão cedo para voltar pra casa, não comecei nem a metade. Vou mandar
uma mensagem pra minha mãe para lhe dizer o quanto ela é importante. Parece que
plantaram e floriu saudade. É que o coração viraliza qualquer gesto de afeto.
Carinho, de fato, afeta.
Partiu. Passarinho, você tem alma nas asas. Eu te escrevi coisas lindas mas não vou te enviar, to cansado de me entregar!
Escrever é meu modo de ser
livre. E eu amo a minha liberdade.
Hudson Vicente.