domingo, 12 de dezembro de 2021

Você só precisa de tempo


estou pedindo um tempo para entender o que eu tô sentindo ao te ver vivendo por aí em volta de mim.
precisei de tempo, coragem pra botar pra fora. dizer pro mundo que eu resisto.
você não me pertence.
posso te ouvir, te vê sorrir e viver é lindo.
o que me falta, te sobra.
o que não é seu, me preenche.
ambiguidade é eu sentir dos dois lados.
e soltar a mão ao atravessar sua rua. larga.
dupla.
do oitavo ou sétimo andar do seu prédio, estou um pouco confuso.
a bebida tinha gosto de licor forte.
exagerei na dose. misturei com gin.
esse sentimento é mais forte que tequila barata.
e eu nem sei não te dizer te amo, toda vez que te vejo, amigo, aqui dói e não deveria doer assim.
te contei sobre meus demônios soltos, minhas inseguranças, minha falta de terapia, meu desamor, minha família;
eu fujo de tudo da pior maneira que é evitando falar sobre o que não lhe compete.
desculpa, preciso dizer que te amo.
não é por maldade. é carência, falta de afeto, ternura, amizade.
te quero livre, amando, ventando, velejando nesse mar de vida que mora dentro do seu porto, quase morro de tanto te esperar.

suas chegadas me partem.

e eu te quero tão bem de olhos fechados, encarando o mundo. dançando sozinho, você sabe viver.

tanta palavra e eu já disse tudo.
se a gente se esbarrar de novo... lembre-se eu estou tirando um tempo para aceitar o que estou sentindo.
te ver vivendo, é lindo. dá vontade também. eu vou tentar. se eu errar, me acolhe. me abraça, me balança, me deixa viver.

você merece 
todo amor que oferece
e não padece
na minha prece
de sobreviver.

Hudson Vicente.

quarta-feira, 24 de novembro de 2021

Quanto tempo tem o céu?


Fechei os olhos, desejei que o tempo não mudasse, que ainda me amasse, que me quisesse por perto. Eu quis querer que o futuro não viesse tão depressa. Os ventos sopraram o passado, misturou nós para todos os lados, desaprumei.

Desequilibrado, não calculei os passos, os riscos de quem não amei. Por onde andei que nunca mais voltei para casa?
Perfeitamente esgotado, maduro, não desabrochei. Troquei passos com a lua, das nuvens me joguei. Acertei na queda livre, quanto tempo faz pra reviver o que me privei?

Não encontro minha casa, nem minha rua; a lua, às sete horas, ponderada, opaca, não fala que não amo mais, que passou, me deixou para trás, e nunca me encontrei. Quem me mudou de lugar me deixou sem saber o que seria de nós.

Um pequeno intervalo, imprevisto, desalinhei. E agora tudo vai tão depressa. Acaba, recomeça e ainda não encontrei. Não achei que tivesse perdido tanto tempo esperando o tempo passar, contando essa tragédia de como é viver e não lembrar que nunca mais voltei para casa.

O céu desabou em nós.

Hudson Vicente.

segunda-feira, 15 de novembro de 2021

Guimbas de cigarros pelo chão


Ainda vejo a fumaça se esvaindo sobre as guimbas de cigarros pisadas no chão. Vejo pessoas maltrajadas de si, fantasiadas de tempo, num eterno relógio que não se move, à meia noite o luar me deseja. O telefone não toca, nenhuma mensagem, ninguém se importa.

Há sempre um barulho, uma música que não toca fazendo a gente dançar. Meninos e meninas sentem tão diferente. Minha mente parece ser meu pior lar. Digo pra todo mundo que ando uma bagunça, me explico pouco, andei me enganando, me matando, como quem chega num bar e não sai. Não me pergunte dos sonhos agora, mesmo de olhos fechados, não consigo sonhar.

Bonito, interessante, com gosto de fracasso na saliva da boca. Preciso me curar. Pra muitos, é vazio. Pra mim são excessos. Eu me excedo, na bebida, na droga (do amor), em êxtase, nunca me declaro. Não consigo afeto de ninguém. Sou só um corpo que proporciona tesão e interesse sexual quando não tem mais a quem. Às vezes nos reduzem a isso. A gente até aceita. Meu protesto é em silêncio. Mudo, passivo dos meus sonhos, tentei não falhar. Falhei sobre todos, me autosabotei de novo.

Quando grito e sinto tudo, meus pais não me ouvem. Cansei de remontar. Simplesmente me fantasiei do personagem mais sem emoção da vida e ando protagonizando escândalos contrangedores de atuação caricata e digna de desaplausos. Sou cruel comigo mesmo.

Sinto vergonha de me aplaudir. Podia ser tudo diferente, mas parece que, silêncio, eu morri.
Mas morro de vontade de sonhar (de novo). E olhar pro mundo e ver o azul. O azul das pessoas que mudam de cor, de acordo com suas emoções.

Queria que o amor dos outros fosse tão verdadeiro a ponto de ser singular.
A ponto de ser porto. Um cais. E eu o caos, não desabasse, não caminhasse por caminhos tão tortos. Eu queria sentir mais. E eu sinto muito. É meu pedido de desculpas também.
Preciso parar de nadar no raso.

Hudson Vicente. 

terça-feira, 26 de outubro de 2021

Enquanto encontro


Escreve
E começou a gargalhar
Menino, escreve
Começou a me falar
Escreve
Comecei a transpirar
Gargalhava alto
Não conseguia te enxergar
Sua voz ainda doce
Escrevia para mim
Abre os olhos e te ama
Menino
Escreve que eu vou te dar o mundo
De olhos ainda fechados
Continuei
Pensei em tantas vezes desistir
Escreve, é seu maior sonho
Escreve que eu te acalento
Os sonhos adormeceram
Tentei fugir de todos
Silenciei
Parei de escrever
Cogitei dizer ao mundo que parei
Queria dizer a todos que fracassei
Nas escolhas, na escrita, em desistir
Falhei
Enquanto ela gargalhava
E pedia pra eu não parar
A poesia como fonte inesgotável
Não acaba
Sua risada é como um manto
Que se abre e me protege
Até de mim mesmo
Não consigo parar
Não quero abandonar todos os meus sonhos
Mesmo que eu falhe
Me acabe
Enlouqueça
Ela está me dizendo pra eu não parar
Um dia partirei, ela sabe, eu sei
Não muito tarde, nem muito cedo
Mas um dia eu caminharei sem dor
E não sentirei mais nada
Quando eu desencarnar daqui
Vou deixar tudo isso escrito
E todos saberão como fora para mim existir
Eu terei todas as palavras do mundo
E talvez elas sejam simples
Sairá a poesia mais bonita dos meus olhos
Todos então ouvirão sua gargalhada
E se lembrarão de mim
Faço da minha existência poesia
Minha resistência pra não partir
Seguirei tentando
Escrevendo, como ela me pediu
Um dia, salvarei a mim mesmo
Como ela fez
Escreve, Menino
Encanta, Poeta
No teu canto, doce, gargalhava
São olhos da rua
Escreve, agora, para mim.

Hudson Vicente.

sexta-feira, 24 de setembro de 2021

Na dúvida, escolha você


Tem vezes que a gente precisa urgentemente deixar ir, o coração só precisa de paz. Você agarra com tanta força as coisas que não são para você que não se dá conta do quanto elas te machucam. E tudo que você precisa é fazer suas malas e se retirar, sair de perto daquilo que baixa sua frequência, tira toda sua energia, te anula a troco de nada. Se permita mudar, buscar novos caminhos, uma nova direção, segura, tranquila. Você deve ser sua primeira opção. Ser feliz, embora seja uma consequência, também pode ser uma escolha. Tudo que tira sua paz, é caro demais. Não aceite não ser você.

Hudson Vicente.

segunda-feira, 16 de agosto de 2021

Noventa e seis




E o céu tudo muito azul

coeso

aceso olhando forte minha janela

lembrava o inverno de noventa e seis

quando eu nasci

 

o vento espalhava minha insensatez

domingo quem brincava comigo?

no sol a esperança perdida das flores

que murcharam no vai e vem da estação

 

quem me acordava sorrindo e beijando minha face

devagarinho sussurrando meu ouvido

dizendo coisas lindas que eu nunca tinha sentido

 

era carinho que afetava

abraço que preenchia

mão que não soltava

a praia era uma ilha dentro de casa

 

senti por dias o cheiro e o gosto do afago dela

o cafuné na cabeça, rezei

rezei por eles e por nós também

se eu apagar, me acende

 

às vezes tremo nas palavras

nada me sai

fico na sarjeta ilhado na lama

se eu beber me afogo e acredite

não tem quem me levante

 

hoje a saudade mora no céu

lembro sempre de noventa e seis

não tem um dia que eu não sorria e sinta falta dela

estou me declarando pra natureza

tentando me salvar

em sentinela

 

nunca mais toquei o céu

vejo frequentemente desabar

me escondo como criança que sente lonjuras de arrepio

tremendo de medo do rio em cada trovão anunciado de lá

 

estou repleto de passado

nostálgico de agora

minha flor é um girassol na tempestade

abre e fecha o guarda chuva

tem chuva que não molha

tem vento que não acaricia

mas beija minha face

como outrora

 

e a sorrir

me prende no ar

meu dilúvio é (a)mar

desde noventa e seis.


Hudson Vicente.

domingo, 1 de agosto de 2021

Sem danos


a noite
parte
à porta
bate
pergunta
quem é?
suspira
alguém
de longe
vem sem avisar
não gosto
de surpresas
não atende
à porta
não bate
ninguém responde
meus passos
na ponta do pé
não dança
não gira
a maçaneta
a dança
sem esperança
vai embora
sem incomodar
na escuridão
que a lua não mostra
tranco meus medos
no quarto mudo
o mundo pisca sempre
devagar
gira e a noite vira dia
era tu quem aplaudia
à minha porta
e deixava mensagens escritas
dizendo pra eu me encontrar
me olhei no espelho
me desesperei
a conta não batia
romantizava meus caminhos
minhas dores e dizia
era só poesia
nostalgia que não vivia
preciso me encontrar
ninguém vai bater mais na porta
vou descansar e só abrir
depois que aprender a me olhar
sem danificar
a porta não bate.

Hudson Vicente.

quarta-feira, 30 de junho de 2021

Um Pierrot alucinado


Um momento de fuga, meu instante de felicidade, descarrego a ansiedade nos estalar dos dedos e no balançar de pernas e pés, aflitos.

Não desce mais um gole de álcool, me enjoa, enoja, me leva pra um lugar de dor, ruim, rejeito. Tenho horror à fumaça, ao cheiro da vida adulta; passo o tempo me relendo, me reinventando, desabrochando meus dilemas, desafogando meus poemas, minha confusão, meu lar.

Tenho queda por gente simples, complicado sou eu. Nunca sei me decidir o que eu mais quero comer. Por insistência, faço escolhas erradas e não me defendo. Deixo que escolham por mim, assim, o gosto do fracasso é compartilhado.

Escrevi um monte de histórias em que todas me salvei, essa não. Talvez eu tenha tendência em exagerar. Perdi a conta das brigas que me calei e fui nocauteado pelos meus próprios sonhos. Estou em constante inconstância.

Hoje beija, toca, trepa, troca, goza, dorme de conchinha e amanhã meia dúzia de frases feitas como respostas, reduzidas em não incomodar. Não incomoda. Tira a corda do pescoço. Pula do penhasco, não chama de amor.

Aos outros, ensejo. Por horas, fui acolhido, acalentado, me beijaram a testa, a face, a boca, me chuparam. Eu correspondi. Fui poesia do coração pra dentro. Tesão, sexo e pizza, da língua pra fora.

Às vezes a pele ao ser tocada, só precisa ser tratada como pele. Sutil. Gozar é o brinde da alma (quase) nunca tocada.

Em tempos: transbordei. Amanhã ou depois eu volto a ser triste. Hoje não... ando muito cansado. Fraquejei. Depois de tanto tempo, o afeto salva a gente.

Hudson Vicente.

domingo, 20 de junho de 2021

Há versos que precisam ser escritos


Sempre discordo do dia, pergunto que cara ele tem? Se ontem não foi hoje, por que não escolher semana que vem? Os dias tem tamanhos distintos, eu também estou aqui pra discordar, não achei meu lugar. Em casa? No trabalho? Na vida.

E não há quem me compreenda, a conta do analista sempre chega no final do mês, quem paga esse preço sou eu por precisar de alguém para me dizer quem sou, sem parecer um monstro calado no reflexo do espelho, à sombra disso, parece tudo remendado.

Taco pedra no espelho, não me vejo, estilhaça os vidros no chão, não me vejo mais inteiro. Seria só mais um borrão? Meu maior talento é falar sozinho o tempo todo. Já não tem mais o espelho, ninguém mais responde. Posso não estar louco. Ou nunca mais me curar de mim mesmo.

Estou doente? Que bobagem, foi só mais um espelho dos mais de vinte e sete que já quebrei. Se somar tudo, dão mais de três vidas de azar. Mais de três vidas? A minha única, só, eu já não aguento.

Que dia é hoje? Vou discordar, eu não caibo mais nesse lugar comum.
Há versos que não precisam ser escritos por poetas.

Hudson Vicente.

quarta-feira, 12 de maio de 2021

Vivo à flor da pele



Intenso.
Eu queimo.
Exagerado.
Taxado: gosta demais. Ama demais. Reclama demais. Odeia demais. Sente tudo, muito. Não existe meio termo. Ou explodo ou implodo. Já tentou conter o mar? Já tentou não espirrar? Você pode até conseguir por alguns segundos, mas sempre explode.

Sou clinicamente desequilibrado. Incapaz de não errar. Ora louco, ora coração. Nunca tive paciência pro raso, pra deixar qualquer um mergulhar no meu mar. Não curto superfícies nem superficialidades. Tenho vocação de profundeza. Ou vai até o fim comigo ou pode ficar aí, molhando os pés na beirinha, fingindo que o caos não existe.

Caótico, não sei tocar o céu, não sei amar de longe, não sei gostar pouco. Aliás, detesto quem não me instiga, quem não mexe comigo, quem não causa um dano ou um ganho em mim. Minha raiva é tristeza. Eu sinto tudo. Sou mais inferno do que céu. Não mordo, não rosno, mas faço carinho.

Já me joguei em penhascos, já pulei podendo me salvar, sempre me arrebento todo antes do outro. Sempre fico com a parte difícil. Sempre escolho acelerar o coração, isso sempre exige pressa. Estou sempre colidindo, explodindo, na defensiva atacando, esperando mais um fim, inesperado.

Não sei nada de tempestade. Um dia a mais é sempre um a menos. Extenso. Quando abro os braços, faço morada, fica complicado soltar as mãos. Pequenas doses de amor, pra mim é muito. É cognitivo. É colisão. Vivo emergente. Vivo querendo fazer do agora, o pra sempre. Do eu te amo, o eterno. Do abraço, o até o fim. Do beijo, o epílogo.

O grito, incontido, incontestável, terrível. Vivo à flor da pele, carregada de espinhos, não me corto mas sangro. O preço de se atrever é viver. Viver intensamente. Tudo é muito. Muito é demais. Isso não parece pouco.
Perigoso é ignorar meus sentidos.

Hudson Vicente.

quarta-feira, 21 de abril de 2021

Tu vicia


tu vicia
promete que não é a última vez
entrelaçado
tu é meu destino
quando não tenho aonde ir

não sei te espero
me desespero
fujo
ou morro.

escrevi em uma folha de caderno 
inteira
dizendo que era a última vez

que droga
tu vicia
virei dependente

minha memória me trai 
e eu to sempre (te) querendo mais

não é poesia
é prosa
é foda

tu vicia.

Hudson Vicente.

sexta-feira, 9 de abril de 2021

O mundo te espera para ser melhor


Precisava botar pra fora o sorriso, as dores, minhas lágrimas. Precisava que me ouvissem gritar sem parecer louco. Precisava aceitar que a vida não me devia nada. Deixei as janelas abertas antes de dormir, sabia que os passarinhos me acordariam quando o sol estivesse pronto para esquentar, o céu precisava ser azul claro, melódico e simpático. Precisava acordar antes do despertador e olhar o céu antes do "cel". Precisava sentir conforto e não dores no corpo, o mundo precisava sorrir mais um pouco.

Eu devia esse favor de sentir alegria quando todos já esperavam mais um estorvo. Dessa vez eu seria diferente, prometi pra mim mesmo que à vida floresceria. Encarei tudo mais leve. Tem cor, tem. Tem vida depois do luto, da saudade, da partida, tem recomeços também. Foi preciso doer cada ferida, cicatrizar o que ainda lateja e desconfigura.

É gradativamente, tijolo por tijolo, que todo passarinho vai refazendo seu ninho, orientando seu voo, pelas fragilidades de suas asas ainda danificadas pelo tempo, pelo pueril da exposição, me permiti sentir tudo de forma mais nobre possível. Me permiti me refazer de tanto nunca tentar realmente querer. Redundante, repleto de falhas, inconstante, autossabotagem. Hoje na escuridão, sorrio. Foram árduos os dias no fundo do poço, o vício em permanecer errando me deixava em mausoléu com dissabor sobre a vida. Tenho propriedade em notar o mundo de mal comigo. E eu de birra com o mundo.

É triste ver alguém assim se perder. Não entender o porquê, não ter voz pra ajudar. Nem um abraço me salvaria de mim. Durante muito tempo eu vivi em um labirinto de tristeza, onde a esperança não me olhava nos olhos, ela disse-me assim: "eu sinto muito por você".
O deserto do caminho triste que percorri das intempéries, já havia sido vencido, liquidado pelo Universo e todas as forças maiores que haviam sobre a Terra.

No quarto branco, escuro, onde ninguém ouvia minha voz, encontrei luz, sai do lugar feio, inabitável; pintei de azul, construí um céu, o sol voltou a iluminar; inebriado, aceitei, resistente, emocionado. A vida me dava uma segunda chance. Diante de mim, o mundo lá fora, incerto, carudo, volátil. Me (re)descobri passarinho novamente. Senti saudade de voar, livre, vento no rosto, caramba, eu tinha história pra contar.

Era preciso continuar essa história do passarinho que quebrou as asas, apenas sobrevivia, relutava contra seus maiores demônios, perdia. Dava pena.
Senti bater o coração, enroscado de solidão, venci o medo dos outros, me olham ainda torto, mas a maldade não está em mim. O sol quente de toda manhã me mostra que é mais um dia pra ser "foda!". Mais uma chance de fazer a pessoa que o espelho mostra: alguém.

Quero desvendar meus próprios mistérios. Sinto vontade de viver. Bater as asas, o vento massagear minha face, me dar o carinho na cabeça, o abraço que ninguém mais deu. Estou longe de ser autossuficiente, mas hoje não espero mais aprovação deles para comigo. Não sou covarde, hoje eu vivo. Aprendi a escrever solitude. Eu precisava entender o real significado dessa expressão. O mundo me espera para ser melhor. E dar certo também.

Quando escrevo poesia, só espero ser acalentado pelas palavras, as pessoas que lutem para me conquistar. Ou me dão o mundo ou não me entreguem nada.
Eu sou o evento do passarinho que beija uma flor, aflito, dentro do meu quintal.

Hudson Vicente.

quinta-feira, 18 de março de 2021

Cinco anos é tempo demais


Em meio à cachorros uivando e gatos gemendo, eu talvez fosse o único cara acordado na cidade, ouvindo inevitavelmente o sonoro barulho da noite, infungível, devagar.

Moroso, eu olhava para o basculante em trincos, da sala, na esperança de encontrar sentido, uma palavra, um suspiro que fosse, para me manter resistindo à tentação de parar de atualizar a timeline do celular.

A ansiedade acerta, bem na cabeça, acelera pretensiosamente os batimentos, fico confabulando em círculos que não me alcançam, quem desconfiaria que aquele encontro despretensioso tão tarde da noite, na volta pra casa, arrastada, me deixaria assim, nas nuvens, planejando na imaginação te ver de novo, de novo e de novo.

Quase cinco anos depois.

Tenho lá minhas incertezas quanto a nós, quero te olhar sem pressa, apreciar esses olhos brilhando, me encarando de rabo de olho, sem medo. Mas sua antiga versão de nós, me abomina, é frágil, não suporta tanto agora.

São mil motivos para te amar e outros mil motivos na contramão.
Quero te olhar de perto amanhã de novo.
O que será que a gente não fez nesses anos todos?

- Ficar perto.

Hudson Vicente.

quinta-feira, 4 de março de 2021

Sentido


apresso
meu verso
tu me lê
do avesso
processo
teu texto 
um terço
rezei
sem sucesso
chorei
me pediu calma
minh'alma 
te dei
lento 
o vento 
passou
notou?
na placa
estava escrito
amigo
saudade
do teu abraço
apertado
soltei.
quando
cê volta?
tenho pressa
de viver
um amor.
que amor?
qual?
não sei.
posso terminar
sem fazer sentido?
"sem-tido"
rápido.
saudadeseescrevecompressa.

Hudson Vicente. 

domingo, 31 de janeiro de 2021

Não se vive só uma vez


A gente ria. Eu esboçava poesia pela Lapa. Recitava Camões, Drummond e até Almodóvar, ainda que não contasse as histórias deles. Tinha paixão nos olhos, álcool no copo, um brinde, gente feliz em volta, dois gatos, gente mascarada, música alta, música chata, era prazeroso cada encarada que a gente dava, soltos, sorrindo como se o caos, naquela escadaria, não existisse.

No primeiro ato um abraço, contido, apertado. No segundo, carinho nas mãos, um beijo no canto do rosto, sorriso, quase tesão. Antes mesmo do beijo, concreto, definitivo, língua com língua, cheiro no pescoço e mais caipirinha. E há quem aplaudisse, quem esbanjasse poesia, fotografasse a cena. Mais duas voltas por aquelas ruas sujas, escuras, quentes, carros buzinavam, a gente ria, ardia, sentia tesão. E pulsava.

Bom é quando se dar, sem doer. Quase meia noite e a gente feliz. Correndo perigo e nos divertindo com as caras dos outros, a maldade nos olhos daqueles que viam dois homens se beijando, se esfregando, no canto da avenida. Escorados na grade, um sentindo a pele do outro, cada toque e um arrepio.

Te descreveria como uma grande aventura; alcoolizados, despudorados, safados. Era impossível não te olhar e não querer te beijar, nem mesmo dentro de um ônibus lotado, quente, cheio de gente torta e esquisita em volta. A vontade que dava era me "atracar" com você na frente de todos, te arrancar a roupa e transar (e chupar), porque todos deveriam assistir o ensaio que nós íamos dar. Mas nos contivemos para não cometermos um crime, para não sermos apedrejados em vias públicas.

Fiquei triste (por eles). Tesão é assim, uma aventura, um encontro marcado, o universo manda e você vai, com calma, coragem e vai. Voar não é um privilégio só dos pássaros.

Hudson Vicente.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

Bonito é ser você


Queria que você parasse. Para. Me escuta. Queria que você se gostasse mais do que eu te gosto. Que você se admirasse mais do que seus pais te admiram. Queria que você enxergasse no espelho essa pessoa incrível que você pode ver refletida dentro dos meus olhos quando estou olhando pra você.

Queria que você sorrisse sem se conter. Sem se preocupar em estar incomodando alguém. Não, você não está, não incomoda. Queria que entendesse que seu valor, não tem preço. Ser quem você é, é raro. É intransferível. Você poderia parar de querer não ser você. De desejar ter outros amores, outro coração, outro corpo, outros amigos, outra história. Você pode ter outros amigos. Você pode reescrever sua história. Mas você tem que se aceitar e se respeitar, acima de tudo. Perdoar seu passado. Estou aqui para evoluir junto contigo.

Você tem todo direito a não ser feliz todos os dias, a não estar bem o tempo todo, você tem direito a não querer existir algumas horas, a se permitir chorar. A vida não é o Instagram. Você não é eles. Sua felicidade, sua vida, não depende da aprovação de ninguém. Você não é uma quantidade de 'likes'.

Para de querer se comparar, de se justificar através dos outros. Você não sabe, nem imagina que por trás de tantos filtros, tantos retoques, frases motivacionais, as pessoas estão tristes também, deprimidas... há muitas casas com ruínas em suas estruturas, isso é perigoso.

A dor dos outros pode ser igual ou maior do que a minha, a sua. Eu só quero te dizer mais umas coisinhas: para. Respira um pouco. Bebe uma água. Mastiga um doce. Desliga a internet. E vai viver. Não deixa uma notificação ser a coisa mais importante da sua vida.

Vamos vencer solidões, curar depressões, sair um pouco, respirar o ar lá fora. Não precisa sair de casa. Chega na janela, olha o céu, a lua ou o sol, depende da hora do dia. Se tiver nuvens, olha pra ela e faz como você fazia quando era criança: imagine. Lembra como você adorava criar cenas na cabeça através das nuvens? E morria de medo de contar as estrelas para não nascer verrugas nos dedos?

Escuta o canto dos pássaros, a liberdade em voar, lembra que ser passarinho era o que você mais queria? Viver é simples. Voar também. Eu queria te ver com esse sorriso Azul, pra sempre, como agora, enquanto me escuta ou me lê.

Hudson Vicente.

domingo, 17 de janeiro de 2021

Nós ficamos pelo caminho


eu não sou o mesmo.

mudei de perfume, troquei a armação do óculos, o grau de miopia aumentou, não visto mais trinta e seis, outros corpos deitaram comigo em várias camas, outras línguas passearam pela minha boca e fizeram estrago no meu corpo. não sinto saudade em voltar. tanta gente já passou por aqui, se divertiu, sentou do lado e se foi, sem ao menos se despedir. outras mãos apertaram as minhas, tantos abraços se encaixaram. de velho, só as bandas que eu ainda ouço. eu já mudei a cama de lugar umas sete vezes para assistir outra paisagem, para sentir o gosto do novo, para me aquecer, para me esquecer.

fiz onze novas tatuagens, alguns sempre me perguntam se eu quero virar um gibi. talvez eu possa te contar a história de cada uma, mas eu não vou ser mais o mesmo. ainda posso te olhar com paixão, gostar de estar contigo, podemos até nos beijar e tentar reacender aquilo que foi perdido, mas muita coisa ficou pelo caminho. eu era jovem - ainda sou jovem -, moleque, os olhos brilhavam diferente, os sonhos eram ufanistas, utópicos. hoje seria ridículo sonhar daquele jeito.

já não me convence as mentiras que saem da tv, o amor vendeu barato pra poesia tudo aquilo que ele foi, tá em crise de identidade, e ainda ninguém consegue dizer se é pra todo mundo, quem é que não vai ter. parece bobagem, o amor é a poesia que não acaba, não morre. mas sempre pode renascer.

pena que eu já não sou mais o mesmo. eu te amaria. eu me excitaria, me declararia, me desnudaria pra você aqui mesmo. mas o tempo passou. só deixou lembranças. uma confusão de histórias que não se encaixam mais. hoje eu não sinto saudade como há um tempo atrás. vamos admitir: nós não somos mais os mesmos. tá tudo mudado.

Hudson Vicente.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2021

Suicídio ao contrário


sempre volto a amar
quando volto pro mar
à deriva na vida
você vai voltar

cicatrizes são marcas
que o tempo não apaga
nem as memórias
dolorosas de um passado insistente

o amor é feito uma tatuagem
desenhada no seu rosto
e, apesar de tudo
combinou contigo

só mesmo o tempo pra dizer
como ela vai ficar
enrugada, marcando a passagem
da duração relativa das coisas

olha pras nuvens do seu céu
como consegue enxergá-las daqui
mesmo tampando seus olhos
reparando bem, quem é normal?

corri, afundei o pé na areia
e meu corpo também 
de volta à superfície, engoli água, o choro
o orgulho, quem me salvou?

entrei no mar, não caminhei
parecia raso quando me joguei
senti uma mão forte me puxando
me trazendo de volta

abri os olhos marejando saudade
na boca o gosto de sal
pessoas em volta com a testa franzino
perguntando quem eu era, se estava bem

cospi toda a água retida no peito
no pulmão, não sei, tinha gosto de peixe
coração tinha esquecido como bater
e voltou

voltei

eu era você
quando deixou de ser eu
pra ser quem?
o mar.

Hudson Vicente.

terça-feira, 5 de janeiro de 2021

Busco na poesia a fuga que não encontro nas pessoas


Meu primeiro sonho do ano, foi sonhar com o mar.
Afeto parece doce, gentil.
Cruel é a rotina, vista de minhas retinas.
Escrever poesia parece coisa de doido, muitos olhares que cruzam, não enxergam.
Parece bonito, escrito, como uma flor, pétala desabrocha, nem sente dor.
Às vezes começar machuca, dá vontade de desistir.
Insiste, insistir é o fim do mar que não acaba.
Mar é intenso, extenso, profundo
Rima óbvia termina em "imenso".
É tão bonito desabrochar, a vida caminhar, o sol nascer todos os dias, o mar se encontrar no rio, através do oceano e não tremer de frio, nem em minhas palavras.
A gente não escolhe com quem sonha.
Mas e quando a gente decide amar?
Coração dá espetáculo.
Meu primeiro sonho do ano foi com o mar.
E eu vou.

Hudson Vicente.