quarta-feira, 25 de maio de 2016

Cansa...



Uma hora cansa, sabia?
Cansa bater em porta que não abre.
Em pedir para ficar quem quer ir.
Insistir para ir embora quem não tem hora para voltar.
Cansa rotina.
Cansa relacionamento. Ciúmes, briguinha. Até amigo, cansa.
Cansa levar esporro da mãe todo dia.
Cansa discutir, dizer palavras rudes no calor do momento e mais tarde se arrepender por tanta frieza com que sua boca disse coisas tão hostis.
Cansa gritar pedindo paz enquanto criamos mais e mais guerras.
Cansa o preconceito, a falta de cultura e amor ao próximo.
Cansa a faculdade, o desespero para dar conta de tudo, notas altas, não dormir nas aulas, fazer os trabalhos, aturar os professores.
Cansa as incertezas para o futuro.
As nossas dúvidas insistentes que martelam no nosso juízo e nos desgraça a cabeça. Isso cansa.
Cansa o trabalho, o chefe.
Cansa até querer voltar para casa, cara.
Chega uma hora que cansa.
O ônibus e o trem que atrasam. O engarrafamento que estressa. A gente xinga. Expõe nossas feridas e chora. A gente chora no meio do caminho, cansado, exausto, quase acabado, querendo jogar tudo pro alto. Quer gritar e pedir socorro. Pra quem? Fecha os olhos e pede pro céu. Se não acredita, pede também. Em vão. Cansa.
Cansa o salário acabar antes do mês, as contas vencerem. Cansa a responsabilidade.
Cansa aquela conversa monótona que não vai levar a lugar algum, que só nos faz perder tempo. Cansa. E se arrasta, como o tic tac do relógio.
A vida cansa. Viver nos esgota todos os dias.
É o choro da criança, até o sorriso forçado de bom dia às sete, oito horas da manhã, cansa. Olhar para a cara do vizinho, cansa.
Fazer algo por obrigação, por sobrevivência, cansa. E não sei quando, em que lugar da história ficou determinado que a gente tem que continuar. Poderíamos simplesmente largar tudo. Dizer chega, eu me cansei, não quero mais isso pra mim. E ter uns breves minutos de uma paz memorável na nossa alma. Um silêncio coroado.
Mas até isso uma hora vai cansar. E a gente vai chorar, se desesperar, querer arrancar os cabelos, planejar o futuro, e se lembrar de que precisamos de tudo para planejarmos o futuro que ficou parado.
Afinal, por que diabos a gente não para? Porque cansa... Viver, ainda que nos cause danos, e cicatrizes: é único. E a gente sempre espera um pote dourado com um céu de arco-íris. É necessário, senão a gente cansa também. Desiste e vai embora só com o gosto amargo, se entrega. E acaba. Sem aplausos, sem nome nos créditos, no fim. Cansa...

Hudson Vicente.

domingo, 8 de maio de 2016

Mãe: é mais amor do que gente



Acorda cedo. Vê se está bem. Dá beijo na testa. Passa a mão no rosto. Admira de longe. Agradece por mais um dia. Reza pra deus, pede proteção. Cuida da casa, do quarto, da vida, da sua vida, do coração. E às vezes esquece de si. Põe o almoço na mesa. Chama pra comer. Seu prato preferido, mas nem sempre tem que ser. Não suja a roupa. Come direito. Tomou banho? Vai pra escola. Dá beijo na testa. Boa aula. Volta. Beijo na testa. Como foi a aula? Toma banho. Não deixa a toalha em cima da cama. Vai molhar. Tá tossindo, vou dar um xarope. Faz o dever de casa. Se eu souber, eu te ajudo. Não muda de canal, tô vendo minha novela. Vai vê tevê no seu quarto. Abaixa o volume. Seu pai está demorando. Vou esquentar a comida. Ponho muito ou pouco? Come, para de conversar. Não implica com a sua irmã. Não implica com o seu irmão. Só vai levantar daí quando acabar tudo. Vai escovar os dentes. Agora joga o lixo fora. Tô cansada. Você não faz nada. Desliga a tevê, vai dormir. Dá beijo na testa. Agradece. Te põe pra dormir. Reza pra deus. Agradece de novo. Chegou tarde, seus filhos já estão dormindo. Bebeu né?! Vou botar sua comida. Já comeu na rua? Então vamos dormir. Umas vozes mais altas. Silêncio. Talvez lágrimas em silêncio. Fecha os olhos. Deus, proteja meus filhos. Amém. Levanta. Olha as crianças, dá mais um beijo na testa. Amo vocês. Por ser a palavra mais forte do mundo, mãe, é amor vestida de gente.

Hudson Vicente.

sexta-feira, 6 de maio de 2016

Ah, moleque!



Era uma lua bonita e um céu pesado, visto da janela aberta do meu quarto, estrelas mal se enxergava na imensidão. O clima estava agradável. Eu sentia frio e depois calor. Fechei os olhos e olhei para o lado. Suspirava. Dormia feito pedra. Eu admirava meio atônito. Mas por fim, senti uma paz. Algo dentro de mim me revirava. De um lado para o outro na cama. Esbarrava. Era fogo. Era carnal. De repente tudo estava tão quente. Eu acendia. Eu instigava. Eu desci. E ele acordou. Finalmente, ele acordou. Estava meio dormente. Salivei. E como salivei. Em um instante despertou. Mas foi romântico. Pediu para que eu subisse. A boca estava cheia d'água. Mordia os lábios. Subi e repousei no seu peito. Ouvi seu coração. Cada batimento. Tum-tum. Tum-tum. Lá embaixo pulsava. Me encarava de cima, enquanto eu admirava de baixo. Bem ali, repousado no seu peito. E então sorriu. Eu me desmanchei. Mesma direção. Um de frente para o outro. Olhares se desejavam. Se comiam e transavam antes mesmo de qualquer toque. Malicioso. Me olhava com os olhos encantados. Eu retribuía com o pensamento: vou te devorar! Faiscou. Nos entregamos. Dois corpos entrelaçados. Viraram um. Barba com barba. Roçando. Mordida nos lábios. Desejo. E lambe. Usa a língua para tudo em cada canto. Sobe e desce. E desce de vez. Ereto. Salivando. Pulsando. De frente para mim. Completamente vermelho. Chupa. Engole. Tudo. E depois repete. Delícia. Delira. Suspira. Grita. Geme. Usa tudo que tem direito: boca, língua, dedos e pau. Agora sobe. Minha vez. Aguenta. Geme. Mais alto. Dói. Deixa doer. Isso, assim. Soca. Beija. Continua. Muda de posição. De frente, de lado, de quatro, em cima, pra baixo. Senta. Mais rápido. Contornando. Isso te excita? Pede mais. Quero mais. Moleque! Bate. Assim, na minha cara. Puxa o cabelo. Vai. Vem. Tô quase lá. Vai explodir. Vai gozar. Explodiu. Agora é minha vez. Abre a boca. Jorra. Aaaaaahhhhh... Ufa. Você foi fantástico. E você, tá pronto pra outra? Melhor dormir agora. Acalma o coração. Moleque! Suspira, deita e dorme. Olha o céu, ali, tá vendo? A gente também pode ser infinito. Eu acho que gozei até minha alma. Me senti um mar. Estava todo molhado. Você foi uma perfeita poesia. Já passou das duas da madrugada. Que lua linda. Silêncio. Boa noite. Dorme bem. Tem como não dormir bem?
E admirei a noite toda aquela cena em um quadro parado. 
Bom, e depois do beijo de boa noite e da poesia, o quê que fica?
Ah, moleque...

Hudson Vicente.

quarta-feira, 4 de maio de 2016

Auroras para recomeçar



Desperdiço rima de outrora 
em qualquer aurora
pensei em amora porque são vermelhas
mas e agora
o que fica de vida e esperança
daquele dia
tarde sofrida
saudade reprimida
partida
colhida
me leve daqui

ainda quero amora
aurora
agora
não chora
e nem vá embora

queria dizer que tenho amor
que me remete à dor
danço nesse compasso
sem traço do artista que vendeu seu quadro
por qualquer trocado
para levar comida para casa
e deixar sua família feliz
mas por dentro traz tristeza
com muitas incertezas

as lágrimas que caem
não são de vitórias
camuflam derrotas
finas sutilezas

pinto meus dias com cores 
desconhecidas
feito um borrão
misturando preto e branco
dá o cinza que tem solidão

domingo um clássico
sol de abril
um céu azul e quente
onde já se passou do meio dia
cadê a esperança da minha gente?

apago mensagens
ignoro chamadas
o coração desacelera
gradativamente

porque no final do dia ninguém me espera
então
o que fica pra mim quando me livro do que leio?
o que sobra quando me falta?
o que me prende quando voo?
auroras para recomeçar
de novo.

Hudson Vicente.