quinta-feira, 15 de dezembro de 2022

Que saudade, amado...


Não conseguia, se recusava a chorar, a chuva não molhava, desaguava; sufocava, lenta, sentia preguiça de se refazer.

Ao meio dia, parecia noite, os olhos não enxergavam com clareza, deixava tudo embaçado, era quase confundido com brilho que não iluminava nem uma rua.

A lua que reprimia o sol, escondia o fogo de um verão que ainda não incendiava mas ardia, queimava a pele, aflito, perdi meu amigo.

Perdido, não houve abraços seguros, desencontros sombrios, tanta falta que o outro faz.

Do outro lado quem vai lembrar de nós? Já faz muito tempo que perdi meu amigo. E me sinto sozinho.

Me sinto cada vez mais sozinho. Fiquei o tempo todo esperando alguém dizer que era mentira. Houve silêncio. Ninguém levantou a voz, ninguém ousou sentir coragem para me contrariar.

O verão ainda não chegou. E é tão sombrio olhar daqui. É difícil acreditar que a música vai tocar e eu vou estar rodopiando, errando os passos daquela dança, sozinho na multidão. Eu te imaginei, te condecorei, num lugar tão distante, ainda vejo você de longe, agoniado.

Se encontrar paz, me fala. Se ouvir minha voz, não responde. Se sentir saudade, volta logo. Se for me olhar, abraça apertado. Mas não esquece que a gente ainda vai se encontrar de novo e de novo. E outras vidas talvez sejam suficientes para cicatrizar as nossas dores. Não sei quantas.

Eu continuo aqui por nós. Lembra que o plano era pra gente não se esquecer?

A chuva volta a cair, faz bastante calor, eu sei que você não volta. Ninguém mais volta, meio dia cinza. Uma inteira noite cheia. Duas luas no céu. Estrelas acesas. Ventania. Passou. Desse outro lado, me conta de você?

Acredito que não seja um dia ruim. Lembro sempre de nunca te esquecer, amado, amigo. Que falta... um mundo inteiro de estrelas brilhantes pra você.
Duas linhas parecem riscar o céu.

Desculpa, obrigado e te amo.

Hudson Vicente.

sexta-feira, 28 de outubro de 2022

Próximo andar


Não tinha belos olhos, me ganhava no sorriso, não lia nenhum livro, não suspirava nenhum poeta, de poesia nada entendia, tinha um corpo quase ideal, falava arrastado, comia letras, parecia sempre apressado, não concluía seu raciocínio, me afetava de um jeito que chegava a irritar, não era óbvio, embora tivesse uma breve brejeirice, vivia dando murros em ponta de faca, se parecia comigo, mas era calmo, me descontinuava, desconcertava, mas não me retraía, secretamente embarcava em minhas ironias, tinha palco mas se continha, só nadava no raso, quando tentava ir ao fundo, tremia, sempre atracado na zona de conforto, eu não alcançava, mas não me perdia, dava dó de suas projeções imaginativas, ainda era um menino, eu também era, não dá pra negar, imperfeito, dengoso, era quente, peculiar, exagerava na dose extra de serotonina, me dava mais atenção do que placas espalhadas de sinalização, o sinal verde fechava, me atravessava o peito, era breve e se perdia, eu quem o resgatava, tinha que estar puxando, fazendo graça, querendo perto, honestamente, era um mundo intrínseco, diferente, de se olhar no espelho e não quebrar, ria e se bastava, era encantador a sua maneira, eu observei e não falei nada, fiz charme e o contemplei, não trocamos mais que meias palavras, mas era como se já estivesse na minha vida há tempos, no botão de espera do próximo elevador.

Hudson Vicente.

quinta-feira, 22 de setembro de 2022

Alguns delírios diários



Nem todo o conhecimento explicará.
A estupidez, minha solidão, adjetivos, meus desafetos, tantas reticências...
Vomito cada palavra que em mim não traduz os sonhos diários, minhas mal ditas ilusões.

Na minha bagagem confusa
Escondo esse amor maldito.
Narciso que entende o sentido do espelho quebrado mas é incapaz de se revelar esquecido.

Felizes são os sentimentos leves que a gente encontra pelo caminho.

De alguns lugares, anseio a distância.
Quis muito te deixar ir embora (porque doeu), se escolhesse partir, eu já teria partido.

Até o vento suspirar de volta
Tomara que traga você.

Quando chegar, vai estar uma xícara de café te esperando, vou continuar escrevendo em paz, sem te reparar, enquanto me balanço sozinho na cadeira de canto do velho cômodo mofado.

Ainda te espero sob olhar atento dos passarinhos soltos em cima da minha caixa d'água.

Não precisa tirar os sapatos quando for voar.

Ainda me restam alguns delírios diários sobre nós...

Hudson Vicente.

terça-feira, 13 de setembro de 2022

Perdi minhas estrelas


Desde pequeno sempre fui muito possessivo, ganhava um carrinho e ele era só meu, a professora da escola tinha que ser minha tia, olhava pro céu e aquela estrela me pertencia, não era de mais ninguém, sentia ciúmes quando me roubavam, via três estrelas juntas e eram como se fossem minhas amigas, eu queria aquela constelação inteira só pra mim e poderia dar os mais diversos nomes a elas.

Cresci assim, tinha tudo que ser meu, eu olhei primeiro, eu falei primeiro, eu amei primeiro.
É uma droga crescer, a gente perde as estrelas, divide os amigos, compartilha nossos pais, doa nossas roupas, e percebe que de quem gostamos, outros também estão interessados. Entende, contrariado, como é concorrida a vida adulta.

E todo mundo quer ser melhor, quer ser algo, quer ser mais, quer ter mais. Eu não. Eu morro de preguiça de disputas, de tão mesquinho que sou. O que olhei e amei, é como se fossem meu para sempre. Mas não é bem assim. Na cabeça da criança, birrenta, narcisa, choraria pelo o que é dela. Já na mente do adulto, crescido, contrariado, a gente entende e sofre um pouco menos. Aceita que perdeu algumas disputas mesmo não querendo participar.

Mas me recuso a aceitar que perdi as estrelas, que aquele mar não é meu, que o azul não é só a minha cor favorita, que o Rio é de todos, que meu poeta não escreveu aquele verso para mim, que a banda não tocou o acorde do violão da introdução de Cara Estranho por minha causa e todos os olhares se voltaram na minha direção, cada um por vez, em cima do palco.

Crescer nos dá a sensação de perda. Nos dá a noção de não ser o centro do mundo. Pisaram no meu pé e eu não posso simplesmente me tacar no chão e fingir que está doendo, que vou morrer com essa dor. Não vou. É compreender que não é a maior dor do mundo.

- eu ainda guardo o nome daquelas três estrelas (Pedro, Severina e Bibi), as minhas grandes estrelas favoritas... e sinto saudade, gente! Há saudade... quando cabe dentro desse nosso porquê!
Bença, Vó; bença, Vô!

Hudson Vicente.

sábado, 3 de setembro de 2022

E se a gente se abraçasse?


E se a gente se abraçasse?
Você ainda não gosta de mim.
Talvez eu já goste de você.
É bom que a gente não confunda:
carinho com paixão.
É sempre importante deixar avisos.
Resumir importância.
Alertar a memória do tempo.
Numa relação, afago é privilégio.

E se por um acaso a gente saísse junto, isso mesmo, eu e você, que pudéssemos rir de bobagens, você me conta suas histórias, eu juro que ouvirei atentamente cada uma delas, e se der tédio, eu te peço pra parar sem que você perceba, sem que ofenda, falando coisas do tipo: o quanto você é incrível. Sim, porque eu te acho incrível. Eu poderia te mostrar que nossa prosa dá em versos. E te recitaria Pessoa. Talvez me 'embananasse' todo na explicação e falaria de Bukowski. O quanto ele me afeta. Poderia te falar das memórias e tudo o que ela ama para ser terno.

Talvez você goste dos meus devaneios, talvez você seja uma poesia prestes a ser escrita e não se dá conta por qual poeta vai te desnudar, não vou te resumir, tão ambíguo, tão forasteiro, tão dono de si, que por um algum segundo, em pensamento, concluí: queria que você ficasse. Mas você é livre, seu espírito cheira liberdade. Embora eu não tenha a menor intenção em te pôr numa gaiola. Meu fetiche é observar seus voos. É admirar daqui, de longe, querendo estar perto, e te aplaudir. Você vai se achar.

Parece coisa de pele. Nós somos gigantes. Eu espero que a gente se abrace. Não como em outras vidas. Agora. Agora que você sabe mais de mim. Agora que eu existo. Agora que eu te quero. Te quero de uma forma livre, sem definições, sem deixar para depois. Te quero como o acaso que escolheu ser sem mais.

Poderia fechar meus olhos agora e ainda visualizar você sorrindo e sendo uma das paisagens mais satisfatórias que minhas memórias inventaram, só pra te contemplar. 

Eu sou inseguro, desequilibrado, cético, um montante de caos, mas depois de você, eu congelei. E não sinto medo em mostrar minhas vulnerabilidades. Até prefiro que seja, que se reconheça em mim, um motivo só para ficar.

E a gente se abraçasse? Como num final de filme, e caminhasse até o final da curva, onde os olhos já não alcançasse, e então, sumiríamos igual fumaça da cena.

Você é uma parte boa de uma realidade ruim. Mas se acaso ficar, você e eu, vou te pedir só um favor: chega sorrindo quando for abraçar antes do beijo.

Hudson Vicente.

sexta-feira, 26 de agosto de 2022

Quando nossos corpos viraram um só


Não coube dentro de mim
Mas não desabei
Foi surpresa: desaguei
Precisava transbordar

Foi lá, foi cá
Que o mar me trouxe
Chacoalhando bastante
Era só um rio
Me tremendo de frio

No espaçamento entre dois corpos
Não chegava uma decisão

O prazer do mar é ser profundo
Do poeta é emergir
Se perder na imensidão do azul
Quando no final da paisagem se confunde com céu
Relampejava de longe, tempestade

Com desdém a língua cuspia o ódio enxarcado de desencontro
Quem de nós era o infinito?

Reviraram-se os olhos
Suspiraram de longe
Gemia o canto do desprazer de não aprender o nadar

Ninguém ensinou
Onda grande se enfrenta mergulhando
De frente
Mesmo não cabendo
Não sabendo aonde vai dar

Amei de longe a paisagem que se formou sobre nossos corpos amontoados
Ainda suando frio
Tremendo no chão

Qual a sensação de estar por dentro de mim?

Quando nossos corpos viraram um só, você chegou lá?

Hudson Vicente.

terça-feira, 16 de agosto de 2022

Alguns encontros a vida evita


Eu era doido pra gente se encontrar de novo.

Sem hora marcada, sem desculpa esfarrapada, sem essa de deixar para depois, o que a gente podia fazer agora.

Queria não ficar te escrevendo e apagando, com vergonha, com raiva, com desespero, com alento, com pena. Com pena que nossas vidas nunca mais foram as mesmas. Que nossos caminhos nunca mais se cruzaram. Com o receio de pensar que você pode estar me evitando.
Eu até aceitaria o fardo dessa verdade escrita em caixa alta acompanhado de um sutil "me deixa, esquece e vamos vivendo".

Eu queria ser assim, independente. Ser menos persuasivo no sentir. Sufocar menos, sem melodramas, ser menos dependente emocionalmente de tudo aquilo que me afeta, que me esbarra e explode. Parece que comigo tudo é muito raso ou muito profundo.

Você tinha que ver quantas coisas eu salvei e deixei guardado pra te mostrar, quantos livros, fotos, textos, frases eu separei para a nossa próxima conversa. Está tudo arquivado aqui nesse contato frio que a gente mal tem.

Impressionante, não desenvolve. Me sinto aflito de pensar, eu nunca vou me declarar, escrevo esse texto pra depois apagar, ou talvez salve e nunca te diga.
Se me ler, se não me evitar, talvez pergunte para quem foi. Eu juro que vou disfarçar e dizer que apenas senti e me entreguei. Não é sobre mim, não é sobre você, embora seja sobre nós. O que não somos. O que não fomos. O que o tempo não deixará ser.

A vida é mesmo assim, esfria o que queima por dentro. E não transborda onde não cabe. Eu tinha tanta coisa pra te dizer. Tantos porres para dividir. A minha hora nunca chega.

Alguns encontros a vida evita, tem seus motivos.
Poderia ser espiritual, mas vamos deixar para lá. Vamos continuar nos enganando, adiando o nosso depois, marcando pra outra vida, quem sabe...

Hudson Vicente.

sábado, 6 de agosto de 2022

Insônia ou ansiedade?


Fiquei acordado até tarde.
Não vi o sol nascer, enquanto me revirava solto numa cama com espaço tão grande que mal cabiam meus pensamentos.

Ansiedade não deixava o corpo relaxar, o dia foi nascendo meio estranho, estava claro mas não se via o sol, talvez ele também tenha se cansado de amanhecer e ficou ali, paradinho, deitado entre nuvens.

O vento batia e tremiam as janelas, me agonizava. Já estava tarde demais para dormir, cedo demais para acordar.

É uma droga, estava convencido de que precisava de colo. A natureza não ia dar, ninguém podia dar.

Vencido pelo cansaço, apaguei. Não dei mais conta de mim. Os comprimidos  acabaram, a vida me acelera enquanto estou em pausas. É exaustiva essa espera, mas, espera pelo quê?

Antes fosse ressaca...

Hudson Vicente.

sábado, 16 de julho de 2022

Incendiava em qualquer lugar


E quando vi chegar, me desalinhei.
A rosa, o espinho na mão, me cortei.
Incendiava qualquer noite, fria, longa, que vergonha.
Ouvindo aquela voz, aprendi.
Confesso, talvez quase enlouqueci.
Dizias coisas com as quais nunca entendi.
Perguntou: tudo bem?
Sorrindo, mas com vontade de mandar pro inferno.
Gastou energia, palavras, faltaram afetos.
Jeito de confrontar, sem tempo de confortar.
Transformava alma em algum lugar para se refugiar.
E seguiu feito o sol da manhã, nascendo despreocupado, seguindo o coração que nasceu para perder.
Perder.
Finda paixão, efeito da multidão.
Não deixou marcas dos cansados pés ao caminhar.
Quando chegar ao fim dessa história, quem reconhecerá?
Rosto desconfigurado, olhos desamparados, velhos traços de alguém que se indispôs.
O preço dessa liberdade foi ser infeliz.
Errou, errou tanto.
Gostou, gozou pranto.
Liberte-se dessas sensações.
Quando chegar lá, pode gritar bem alto que tentou ser feliz.
Eu sinto aqui, sinto muito, quando abro as janelas do peito e os dias parecem os mesmos, a paisagem não muda, o céu continua o mesmo. Menos nós.
Uma grande turbulência, anunciada a tempestade, respirou fundo e se acalmou.
Precisou se cutucar para acordar do pior pesadelo. Respirou lento de novo, só pra ter certeza que estava vivo. Mas faz tempo que já não vive.
Paralisou, outra vez, fugiu pra dentro de si. Só. Deixou a rosa cair no chão, junto do espinho que lhe feriu à mão.
Sangrei.

Hudson Vicente.

terça-feira, 14 de junho de 2022

Nem todo mundo vai falar de amor para você


Meu bem
, vai ter gente que não vai saber falar de amor com você. Vai ter gente que não vai querer falar de amor. É uma frase, uma canção, uma mensagem de conforto, na volta pra casa, dentro do busão lotado de gente espremida. Você só vai desejar colo, um gole de vida. Entrar em um bar, olhar o céu caindo e mesmo sendo a noite, escura, desejar o arco-íris impossível. Quando a cabeça já não pensa muito. Você pede: deixa eu dormir na sua alma hoje?

Meu bem, o mundo inteiro está lá fora, olhando pra gente bebendo refrigerante ao invés de uma dose exagerada de whisky barato, pra descer queimando, pra ter certeza que a ressaca vem pela manhã. Nós sempre fomos uma viagem muito louca. Quando a vida apertava, fumava seus cigarros e me abraçava, nunca te falei o quanto eu detestava esse cheiro de nicotina, mas entendia que você estava precisando desabar. Deu tempo pra se apaixonar e quase dizer te amo. Nunca dissemos. Minto, eu nunca disse. Mas precisava? Vendo você agora, eu acredito que sim.

Faltou palavras direcionadas ao afeto. Queria que as pessoas viessem com o dom de ler o que está escrito nos olhos das pessoas de boas intenções. A gente tem pressa de viver. Tem pressa de morrer. A saudade é tão emergente que nunca passou nem tomando Alprazolam.

Meu bem, eu sei o quanto você pediu para Deus pra gente se esquecer. Sei que se pudesse, você não teria nem saído de casa nem me mandado aquele e-mail com coração no rodapé, no dia que nos conectamos. E foi tudo tão rápido. Quase não deu chance de ser terno.

A vida não acomodou a gente no sofá da casa dos seus pais. Não permitiu almoço das famílias nos domingos. Tardes ensolaradas na piscina do clube, nem ao menos um show de rock alternativo no Circo Voador. Deu tempo da gente fazer um passeio frustrado na Quinta da Boa Vista, outra vez a chuva. Outra vez o tempo. Outra vez as pessoas. Outra vez, nós, desfeitos.

Ali, eu senti vontade de dizer que te amo. Ia dizer. Não ia. Mas senti. Parecia que Iansã soprara forte, me calei. Você tão descrente quanto eu, também nunca entrou numa gira.

Meu bem, você sempre perpetuou minhas novelas sagradas, você era a trilha sonora mais sem graça de uma novela das seis, lá de dois mil e oito. Você tão pouco entendia minha solidão. De crescer sozinho, com alguns primos e duas ou três amizades.
A minha fúria, o meu grito, sempre contido, te amedrontava. Continuava sem saber como viver. Isso me assustava mais que você.

Detestava quando eu chamava esse romance de grande paixão mas não dava conta do amor, quase corrupto que eu supostamente nos causava. Eu te causei amor, sorriso de secretas alegrias, jamais expostas, poucas vezes sentidas. Um gozo rápido na nossa primeira vez. Não balbuciei. Nem pareceu um incômodo. Tomamos banho, ficamos durante quatro minutos e onze segundos abraçados, depois cada um virou para o seu lado.

A gente soube dormir um do lado do outro. E amanhecer em pudor. Às vezes em silêncio para respeitar nossas dores. Meu eterno conflito diário. Não queria falar de você. De repente me cansei. Consequentemente, nos desgastamos. E tudo por conta de três palavras. Um flash de emoção. Eu sei que você me cobrou a porra do eu te amo.

Caminhamos um caminho tão longo em silêncio que dava murros nas nossas costas. E ninguém dava o braço a torcer. Eu torcia pelo Vasco. Você por time nenhum. Mas fazia questão de perguntar quando ele perdia. Sabia como me destruir.

Veja só como era conviver comigo. Eu também precisava de espaço. Você de tempo. E ele foi passando. Nós nos acostumando um a sentir a falta do outro. Uma melancolia. Já tinha acabado. Não nos correspondíamos mais. O último gozo, foi brochante, você até me machucou.

Meu bem, eu quero morrer jovem, talvez daqui há dezenove anos. Pra quê se arrastar mais?

Pela estrada, algumas curvas, não mostram onde dão. Eu quero subir o topo da montanha, ouvir um beija-flor cantar, ver o sol se pôr dentro dos seus sonhos, e quando estiver lá, de olhos para mim, gritar bem alto: EU TE AMO.
Eu nunca quis te dizer isso.
Nem todo mundo vai falar de amor para você

Hudson Vicente.

sexta-feira, 3 de junho de 2022

Quase fui feliz


Noite passada pensei num poema quase longo, quase perfeito, quase escrito, quase verdadeiro em cada linha que senti. Sorri no fim. Quase terminei, quase escrevi. Euforia. Por amor tudo vale? Eu quase tentei. Quase fui completamente feliz e logo em seguida quase infeliz. Mas por ser quase ele não existiu. Era quase lindo. Então eu reli. Quase mudei algumas palavras, quase me abandonei ali. Eram versos quase sutis, quase emocionantes. Não chorei, quase morri. É que quase não me ouvem, quase não me leem. A culpa é minha, pensei. Quase sofri. Respeirei aliviado. Uma tentativa frustada de um quase poema. Ufa! Quase acreditei em mim mesmo. Por pouco, bem pouco, esse poema quase não foi pra você.

Hudson Vicente.

quinta-feira, 26 de maio de 2022

Duas linhas tortas


Me desarmei
Duas linhas soltas
Pra você
Me revelar
Costura essa dor aqui
Desilusão
Faz do amor meu ar
O céu subiu do chão
A poeira espalhou o pó
Desejo devagar
Sua língua no suor do meu corpo
Quase morro ao ouvir
Você chamar meu nome
No caminho da manhã
Sua voz me salva
Chega de me adiar
Me guardar pra depois
Eu sou o agora
O que tem pra hoje
Posso ver no seu olhar
Que me apaixonei
E nunca soube antes como te dizer
O que tenho pra falar
Amanheci algumas manhãs sem amor
Sem o toque
Sem pudor
Duas linhas
Nada mais
Me desarmei
Agora
Vem me livrar de sumir
Quando o sol for embora.

Hudson Vicente.

sexta-feira, 6 de maio de 2022

É sobre como estou me sentindo


Tenho o sonho de me tornar eu mesmo. Todos me olham e sabem que eu parti, me perdi, me desfiz. Faz tanto tempo que eu quase já não morro.

Criatura esquisita, sem porto. Morro de medo de nunca mais me encontrar.
Todas as portas que eu bato, tremo de medo de nunca mais entrar. Todas as vezes que vou embora, vou pra nunca mais voltar.

Eu me perdi, não só nas palavras, não só nos caminhos, não só na vida. Fecho meus olhos e não sei mais o que é sonhar, entro no mar e não nado mais, só afogo. Afundo, não transbordo.

Minhas memórias tão clandestinas sobre a vida, me fazem esconder quem eu realmente me tornei. Dá medo, eu sei.
O espelho grita socorro, queria dizer: por favor, me salvem de novo.

Vivo em círculos que nem sei mesmo como me criei. Intenso ao extremo, saudade de outrora. Diante de mim: o fim.

Clamo aos ventos para me achar, sei nem por onde começar. Vou me desfazendo aos poucos, feito poeira. Uma bagunça do tamanho do céu, me espalho e não voo. Perdi minhas asas, estou clamando por socorro.

Eu me perdi, gente, eu me perdi.
Passarinho, exagerei.
Nas escolhas, nos caminhos, na bebida, na vida, na droga, no sentimento, no carinho, eu exagerei.

Sonho em me tornar eu mesmo.
Mas eu quem?

Hudson Vicente.

quarta-feira, 6 de abril de 2022

Olha nos meus olhos enquanto não me desvia seu afeto


O que a gente é depois de uma decepção?
Ah, vai jogar os búzios, ler A menina que roubava livros, compra um pacote de biscoito e recita algumas passagens de Memórias de minhas putas tristes, o Gabriel sempre falou de solidão. A Fernanda Torres escreveu meu Fim, que por mim, viraria um filme, uma série cancelada na segunda temporada da Netflix, ninguém entenderia o contexto daquele encontro, naquele Carnaval de abril, pós-pândemico, na mureta do Leme enquanto eu tentava disfarçar a solidão, anestesiado de um beijo que não foi dado no rosto do meu futuro namorado.

Aquele nosso primeiro encontro foi um fracasso. Eu ainda sinto pena daqui, vendo aquela cena, dois incomuns, carentes, zangados, jovens, tediosos, senti preguiça em descorrer o alvoroço que o sorriso do Lucas me causou.

Eu insistia em querer te beijar a face, tão bela, tão casca, infantil; ele tão solar, tão amedrontado, acabando de sair de um relacionamento. Foi horrível. Ainda assim, quis me ver. Nos despedimos nos desculpando e querendo mais. Mais o que?

Somos tão jovens e infantis e sozinhos e sorrisos. Eu me apaixonaria facilmente por ele a qualquer momento. Mas nós sentimos tanto medo.

Eu achando que iria me livrar do meu emprego enquanto todo mundo em volta já planejava assistir o meu fracasso. Poucos entendem os meus caminhos. Eu confabulo em ciranda, troco meus passos em devaneios. Vou continuar insistindo: o amor é a parte que nos salva do nosso próprio calvário. Vou insistir mais um pouco. Ele tem muito de mim. O afeto vai me transbordar. Meu fim é uma carreira bem bonita de amanhecer lá fora.

Não foi como queríamos, mas foi como nossos defeitos e medos estivessem ali, nos esmurrando diante de tanto orgulho ferido. Eu te perdoei e prometemos um para o outro recomeçar. A sua falta de jeito, Lucas, me cativou. Vou dizer pra todo mundo que foi bom. Não foi. Inexplicavelmente eu te quero. Vou insistir nisso, por um fio, a gente não foi embora.

Mas da próxima vez, olha nos meus olhos enquanto não me desvia seu afeto.

Hudson Vicente.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

Você sucumbiu


Está me querendo, você sabe.
Só não está sabendo como pedir.
Eu acho graça dessa sua falsa inocência, nem disfarça, tem medo de não convencer.

Tem medo de mim, tem medo de me perder, me diz o que você está querendo, me deixou assim, sem saber.

Até parece deprimido, enjoado, pirracento, moleque, atrevido, assim vou me perder; entra dentro de mim, me bagunça, me destrói, me recompõe, digo vou embora, me puxa de novo, faz um jogo, vou ceder.

É perigoso esse nosso jogo, estou sentindo você. Como um lobo, vou atrás (atrás de você), vou chegar aí, bater no seu porteiro, ele está impedindo minha entrada no seu prédio, ele não sabe que eu sei.

Vou (me) disfarçar, tocar o interfone, subir sem falar meu nome; você vai abrir, eu vou te reconhecer, tem tantos nesse cubículo que você chama de casa: reunião, é só trabalho, mas tem calcinhas e cuecas no chão, a música é ruim, e tem drogas também.

Sobe mais fumaça, todos me olham como se me convidassem a entrar, diferente de você, isso me enjoa, "fiquei puta", sem vontade de tirar a roupa, você me puxa, tenta me convencer, me sinto sujo, te empurro, não vou ceder.

Você perdeu a graça, não tem piada, estou fazendo pirraça, e ainda estou querendo você. Quase três da manhã, ainda colocado, vem me ligar; me chamando pra ser livre contigo, agora eu já tomei meu rivotril e não levanto mais da cama, mesmo você me dizendo que me ama, que quer me comer, apesar dos meus dramas. Desliguei.

Ligou de novo, agora diz que sente saudade, achou incrível eu te procurar, que agora vai me dar valor. Senti tesão, quis te responder, tomei mais sete gotas, apaguei. Nem lembrava mais de você.

Moleque atrevido, toma jeito, não tem medo do perigo que é eu me apaixonar por você. Agora eu sou "a louca" que invade sua casa, te deu dois socos na cara, vulnerável, que morre de amores por um embuste. Quero ir embora, você me tem nas mãos, não deixa. Isso faz bem pro meu ego e pro seu. Mas você quer todo mundo e ainda diz ter medo de me perder.

Não me trate assim; bati sua porta, vou embora, não quero mais sentir seu cheiro em mim. Meu cobertor, meu travesseiro, queimei; escolhi uma cama nova, nada que me fizesse lembrar. Tive que encontrar outros caras, chupar novos nervos eretos que pulsavam dentro de mim, nenhum foi suficiente. Não era coisa de pele, era mais de alma. E de repente sucumbiu.

Tô te querendo, tá me querendo, mas não assim. Não sou tribalhistas: Nós não somos de todo mundo, nem todo mundo é assim. Vou fazer fumaça, vou fazer barulho, vou sumir, só pra não sofrer.

Na sua porta não bato mais, não faço escândalos, destruí nossa música e joguei fora seus perfumes, todos aqueles cheiros que me lembravam você.

Não é voltando atrás, remexendo na dor que a gente se cura. Vou melhorar como pessoa, esquecer você. Mudei a chave da porta, aqui não adianta, não entra mais, nem um disco, nem uma palavra. Silêncio perspicaz.

Botei fogo nas suas roupas, na sua cama, queimei tudo, mas quem arde sou eu.

Hudson Vicente.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2022

Vou te acalentar a face


Gosto de romance
mas nunca soube aproveitar um.

Escrevo poesia
mas olho pedra e só vejo um pedaço de concreto sem sentimento.

Acho alguns animais fofinhos
mas não os mimos, cada um no seu espaço.

Dei-te alguns beijos bem demorados
mas não senti um arrepio.

E assim mesmo celebro a vida.

O óbvio não precisa ser do mesmo jeito para fazer sentido para todos.

Celebro a vida em volta dos meus poemas curtos, desinteressantes e que ao invés de acalentar a "frase", te põem pra pensar.

Se pensar um pouco em mim, vai, me abraça também, é cansativo rimar.

Me cobram sempre uma rima rica de pessoas que mal leram três parágrafos de Dom Casmurro.

E não ousam nem questionar se ele quem a traiu... 

É cansativo.

Escrevo como alguém que precisa de ar para sobreviver e muitas vezes peco pelo excesso da falta dele.

O último que me ler, por favor, me abraça.

Você vai ficar e eu já vou ter partido.

Hudson Vicente.