quarta-feira, 29 de março de 2017

Flor da noite



Deixei de ser garota de programa. Cansativo essa vida de dar prazer às pessoas a hora que elas bem querem. E amor? Quem sente? Eu não sinto nem por mim. Me abraçavam como se eu fosse papel. Não existia carinho em noites frias. Era sempre difícil sentir tesão às seis horas da manhã, em uma segunda feira. Eu sou apenas um pedaço de carne, e a vida é suja. Tentei renascer todos os dias, mas a cara de puta não mudava. Me olhavam na rua e me devoram, me estupravam com todos os olhos e ainda me julgavam não ser uma pessoa decente. Já fui pra cama com dez. Em uma noite só dei pra vinte e três, em consciência. Já usei, sim, todos os tipos de drogas. Os caras ainda me davam presentes. Queriam me apresentar até como esposa. Eu aceitava, é claro. Estavam pagando. 
Eu estou envelhecendo. As rugas já brotam nos meus olhos cansados. E as grandes damas sentem-se ameaçadas quando estou por perto. Sentem medo de eu lhes roubar vossos maridos. Tolas, aqueles brochas parecem bichas. Já me cansei de chupar aqueles pintos murchos. Nenhum deles me fizeram gozar. Eu sempre tive que usar o próprio dedo. Homem parece que não serve mais pra porra nenhuma. 
Teve um que eu me apaixonei, as putas também amam, ora! Era carinhoso demais, lindo, moreno, bem dotado. Fodia como poucos. Para ele eu dava até de graça, pedia sempre pra sair assada, e ele nunca me decepcionava. Mas o desgraçado não valia nada também, começou a sair com uma putinha mais nova e a bancou. Sumiram. Me prometeu viagens, eu que viajei. Não sai dessa cidade fajuta.
Agora escrevo essa carta me perguntando como posso renascer diferente todos os dias? Como sofro com cada calo, andando de salto alto, gasto, o dia todo, por essas esquinas perigosas. Já perdi as contas de quantas vezes tive que bater de frente com travesti folgada, querendo cantar de galo na minha zona. Hoje deixo pra lá, envelheci. Me olho no espelho e meus olhos estão com olheiras fundas; maquiagem barata, já não dá muito jeito, fazer o quê? Já assumo meus quarenta e poucos anos. Quase cinquenta. Estou deixando essa vida. Mas a vida vai me deixar? O que eu construí até agora? Queria renascer amanhã e contar outra história. Meus ombros doem, meus pés estão cheios de bolhas. Minha família não me ama. Ninguém nunca mais se apaixonou por mim. Será que eu morri e ainda não percebi? Talvez amanhã eu amanheça um pouco diferente...
Em uma noite fria, eu sou marcas de batom no teu copo vazio!

Hudson Vicente.