terça-feira, 28 de junho de 2016

Um drogado: viciado em poesia



Eu vou me viciar nessa droga. Não que tenha sido uma escolha, acredite em mim: não foi. Eu me vi ali, sozinho, perdido. Meus amigos sumiam. Eu não sabia o que fazer. Era todo dia. Passava das três, quatro horas da madrugada. O café descia queimando. Era só insônia. Trocava o dia pela noite. Maria era a única que me compreendia. Falava comigo todas as noites. Não sentia mais dor, apenas amor. E como sentia amor, cara. O mundo todo precisava disso. Caretas, se aprisionam dentro de seus mundinhos e mentes pequenas. Todos tão covardes. Não que eu não fosse também. Talvez fosse o maior de todos. Mas estava me libertando. Maria, a outra, também do amor, me disse a coisa mais linda que alguém poderia me dizer. Não foi um elogio, foi um voo. Disse que eu tinha asas dentro de mim - eu sempre soube que poderia voar. Irradiei felicidade. Sou pássaro, sou livre. E liberdade vai além do amor e sentir-se livre. É plenitude, é alma. É cativar, é empatia com quem somos. Sem máscaras. Sem supervisões, maquiagem ou companhia. Liberdade é ser quem verdadeiramente somos. E eu me viciei nela. Em Maria e em sonhar. Não vê? Me tornei um viciado. Viciado em liberdade. O (mau) amor já nem me dói tanto. Que engraçado! O amor que deveria curar, machucou. Realmente não valia a pena. Ouvi o telefone quase tocar agora, mas é coisa da minha cabeça. Ninguém me ligaria às três da madrugada para dizer que sente saudade. Seria engano. Fechei o livro. A poesia me salvou. Um dia vão apontar o dedo na minha cara e dizer: você tinha razão! A gente anda carecido de amor. Precisamos espalhar o amor (e com uma certa urgência). Não é papo de um drogado. Talvez eu trague mais daqui a algumas horas. Podem sentenciar: sou viciado em poesia. Obrigado, Maria!

Hudson Vicente.

sexta-feira, 24 de junho de 2016

Quem parte e quem fica



Quando me vem
Eu parto
Porque se fico
Eu penso
E lembro
Do beijo
Do cheiro
Nos meus lençóis forrados
Que você se jogava e bagunçava
Igual fazia com meu coração
Eu sorria alegremente
Dava sua hora e você partia
A bagunça, como sempre, ficava para eu arrumar
Não reclamava
Assentia
Sentia
Meu peito era teu abrigo
Tua morada nas noites mais sofridas
Eu sei, eu te aquecia
Acendia e você apagava
Era como nosso beck, íamos pra varanda depois de deslizarmos cada canto daquela cama
Cabia você e tudo mais que nós sentíamos
Você sempre ia embora antes da última tragada, dizia que enquanto tivesse uma ponta, era pra te esperar
Eu deixava ali
Por medo de nunca sobrar
Era estratégia sua
Sempre desconfiei, mas aceitava
As sextas-feiras sempre te traziam de volta
Nos amávamos como dois adolescentes na puberdade
Você no auge dos seus trinta e poucos anos e eu na explosão dos meus vinte
Eu era um moleque, como você me chamava, mal entendia todo aquele sentimento dentro de mim
Ansiava pela tua volta em cada mensagem de boa noite
Você, mais experiente, pedia calma
Calma eu tenho até demais, destoava
Quem tem alma não tem calma, não é assim que dizem?
Não sei
Confuso e aflito fiquei
O cigarro nunca mais acendeu
As sextas-feiras parecem ter pulado do meu calendário
Joguei fora todos os meus relógios
Já não ouço mais o tum-tum do seu coração
A minha cama permanece arrumada
Mas e o meu coração?
Vaga perdido a sua espera desde a última tragada.

Hudson Vicente.

sexta-feira, 17 de junho de 2016

Poxa, Chico!



A vida anunciou que chegou
Clareou e amanheceu o dia
Viviam-se mais anos atrás
Viviam-se menos anos atrás
No jornal se vende tragédia
História bonita nego não faz
Matou, roubou, suicidou
- chefe satisfeito
Vendeu, causou, debateram

Tomou o café apressado
Com embrulho no estômago
Na rua sol e trânsito
Inferno de dia longo
Pediu pra Deus
Colocou a música no último volume
Sem rock n' roll preferiu pop francês
Céu azul de abril as nove da manhã
Bom dia desculpe o atraso tem reunião?

No caminho lembra que não te amam e sorri
Compadece com seus pensamentos: quero férias
Dez, onze, doze, treze, hora do almoço
Quinze, dezesseis, dezessete, dezoito, até amanhã
Chora no caminho seu peito sozinho
Não acha seu lugar, vai embora a pé
Aperta aqui, esbarra ali
Chega, alguns cochilos, fim da aula
Volta e não se encontra

Pétalas de uma flor murcha caídas no chão
É só solidão
Não deu boa noite pro pai nem pra mãe, dormiu com fome
Fez carinho no cachorro e recebeu uma lambida
O mundo não é só um pedaço do globo
Redemoinho

Escuta o Chico
Com a vida a gente não lida
Fecha os olhos com a sensação de que amanhã...
Não vai ser outro dia
Que pena, Chico...
Apesar de você...

Hudson Vicente.