domingo, 18 de outubro de 2020

Embriaguez


Pra você o amor era um copo sujo, não uma taça de cristal. No breu da noite, ninguém brinda, tem restos de cigarro no cinzeiro, uísque barato pela metade, nariz cansado de tanto cheirar, toca o disco todo do Radiohead no vinil, o tempo corre em câmera lenta, só seu peito acelera e espera o fim, troveja e a noite não acaba.

O dia vai amanhecendo e você fica encarando a última carta, não me responde, não me procura na cama, não se satisfaz. Recolho meus cacos e bato a porta, você não sente saudade quando eu vou embora. Isso não é sobre amor, nós não estamos mais do mesmo lado.

Tem na boca o gosto de ontem. E amanhã vai ser depois. Pupilas ditaladas, pulsam. Na cadeira da sala, sentado em cima dos papéis, sua boca já não fala. Desculpe, eu não posso prosseguir. Você já morreu, só esqueceu de partir. 

Vi no seu olhar, o mundo desabou. Foi você quem se incendiou. Abismado, ainda tem meu cheiro nessa sala. Só você não sente. Não quero mais te olhar daqui. Seu fim é diferente do meu. Caiu e fechou os olhos de cansado. Eu era sua última linha em cima da mesa, o vento espalhou.
Me tirou tudo, menos a roupa.

Hudson Vicente.

sexta-feira, 16 de outubro de 2020

Nem tudo que reluz é ouro


Tinha fogo, mas não queimava
Andava pela areia, mas não chegava na praia
Entrava no mar, mas não se molhava
Mergulhava, mas não nadava
Prometia, mas nunca cumpria
Jurou, pros versos ou a deus
A lembrança ficou
Vento com cheiro de mar calmo
Apodreceu
A flor cinza, morreu
Saudade do que não houve
Como explicar a ressaca?
Dizer adeus não é sufoco
O nó na garganta, a cabeça ainda gira
A despedida é o fim de todo encontro.

Hudson Vicente.

terça-feira, 6 de outubro de 2020

Ah, se todos fossem iguais a você...


Se tu fosse um doce, tu seria um pastel de Belém.
Se tu fosse uma cor, tu seria Verde.
Se tu fosse uma música, queria que fosse composta pelo Caetano e cantada na voz da Marisa Monte.
Se tu fosse um filme, que fosse um drama-romântico, clichê dos anos 2000, baseado em algum livro.
Se tu fosse um poeta, eu te recitaria.
Se tu não fosse um planeta, não teria graça querer conhecer a Via-Láctea: o céu não teria cor e as estrelas da noite não passariam de um borrão iluminado lá em cima.
Se tu não fosse... eu ia dar um jeito de te inventar, só pra ter a certeza que criei uma bela poesia, no ar, um conto, um suspiro.
Ah, se todos fossem assim...
Não chorar, só sorrir.
A tua vida seria mais amor.

Hudson Vicente.