quarta-feira, 29 de maio de 2019

Isso não é pra você

voltei a fumar
entrei no primeiro bar
abri uma garrafa de Amarula
tirei uma foto e sorri.
fui até o banheiro pra me olhar no espelho
estava bonito mas não feliz.
"dei um tiro"
e mais outro pro irmão não ficar com ciúmes.
me senti desejado
olhares me seduziam
eu era um vira-lata nessa noite suja
dissimulei, ganhei companhia
até a lua me aplaudia.

- "o que você é?"
- "eu sou artista."

olhou pra mim e não acreditou
pediu pra eu cantar, dançar...
me deu uma folha em branco
pediu pra eu pintar.
eu sorri, desajustado.
tentei falar.
não deixou.
- o que faz então?
- eu sou poeta.
riu.
- escritor não é artista!
- eu sou o quê?
- isso é falta do que fazer.
fechei a cara, dei de ombros.
- então me faz uma poesia!
- não vale a pena, não preciso provar meu talento com quem não entende de arte.
- você vai continuar dizendo...
- sim, eu sou artista. joga no Instagram e procura meus poemas.
aqui nessa folha em branco escrevi um conto, pode ficar pra você. eu sou poeta.
pedi a conta.
tentou se desculpar, quis foder no banheiro, me levar pra casa, rachar motel.
melhor não, até uma próxima.
nessa cidade embriagada, chamei uber e fui pra casa.
agora entendo minha solidão.
as pessoas são baratas.
meu voo é inteiro.
tem gente que é amor.
tem gente que é bueiro.

Hudson Vicente.

quinta-feira, 23 de maio de 2019

Caça teu rumo

sou passageiro
nesse mundo que todos soltam as mãos
me entreguei tanto
nem perguntei o nome do santo
pedi licença pra passar
girou outra vez e agradeceu
tu que tem asas e pode voar
na tua mata tu é Rei
tem arco preso nas tuas mãos
teus caminhos marcam passos
silenciosos
tua sabedoria te faz voar sem sair do chão
olhos castanhos são tão brilhantes
flor da noite
encontra uma rosa vermelha no chão
é luz
ninguém falou de solidão
sozinho ele não te deixa
segura forte minha mão
na outra traz o copo e enche
no final tua alma se mexe
gargalha alto, inconfundível
voa, meu filho
caça teu rumo
gira, Mundo.

Hudson Vicente.

quarta-feira, 15 de maio de 2019

Infinito tempo pro mundo

menino
não solta da minha mão
agora que a gente dança
solto
encosta seu coração aqui com o meu
sorri inteiro teu sorriso bobo
faz tanto tempo que eu não danço
o tempo parece parar nesse balanço
se sente livre
gosta de liberdade, assim, vento no rosto, tranquilo, sorri.
menino, não solta da minha mão
desse jeito a gente espanta solidão
eu já nem lembro mais quem eu era antes de você quando me perguntam eu digo que tanto faz
o que me importa é agora, daqui pra frente.
sem pressa pra amar
sempre amar
todo mundo tem sede desse desejo
me abraça profundo, pro mundo
eu quero todos os seus beijos
já não ligo pros outros
aqueles olhares não me despertam o que eu sinto agora quando te vejo
sorri inteiro pro infinito do tempo nunca acabar.
agora eles veem a gente dançar,
me deixa te esperar?

Hudson Vicente.

quarta-feira, 8 de maio de 2019

Ansiedade: você sabe bem do quê...

Tem sido uma luta fechar os olhos e dormir. A mente não para. Não encontro em mim mesmo os botões para desligar tudo. Dorme tarde, acorda cedo, excesso de pensamentos, tem vezes, parece que vou explodir, tudo que eu queria era não lembrar. É família, é trabalho, são contas, é coração, decepção, parece que eu não me alcanço. A vida já me cobra posturas de gente grande desde quando eu ainda era um menino, me fez homem, mas ainda sou um menino.
Ando meio assustado com tudo. O caos, o barulho, a rotina, os amores, a falta de amigos. Querem que eu decida já o que quero pra minha vida, enquanto eu mal sei escolher com que blusa eu devo sair pra mais uma festa que não vai me levar a nada.
Já rezei pra Deus, pedi proteção. Já me revirei a cama toda e ele não me atende. Queria abrir um zíper no meu corpo e me abandonar por uns dias, é que olhando daqui, cara, você está uma bagunça. Haja terapia.
Teus olhos cansados, teu cabelo bagunçado, teu sorriso já não convence ninguém. Tuas pernas não param de saculejar, teu humor irritado vai te levando pra longe de você mesmo. Se sente bem se olhando no espelho? Essa ansiedade é insônia, é saudade.
Você sabe bem do quê...
Se olhe com mais carinho, vai, desamarra essa cara, eu só tenho você.

Hudson Vicente.

quinta-feira, 2 de maio de 2019

Solidão não se cura bebendo veneno

tanta cor
nessa volta pra casa.
pés cansados
meio que se arrastam.
esbarra em um, pede desculpas.
continua apressado.
outros passos lentos na sua frente, pede licença.
cara amarrada.
lentes embassadas, tira e limpa as imperfeições do caminho.
tem gente sem vida, que esqueceu de morrer.
parece só dor.
o que antes era brilho, está sem cor.
aquarela escura,
samba desafinado na roda de pagode do ponto ao lado.
churrasquinho e barraca de caipirinha na calçada.
amargo e azedo, só tem limão.
quero outro sabor.
não tem.
tudo bem, obrigado, lá vem meu ônibus.
boa noite. boa noite.
senta sozinho no banco mais alto, privilégio de um Rei.
encontra uma flor caída no chão, despedaçada.
três pétalas sobraram.
fecha os olhos e faz um pedido.
sorte-saúde-saudade.
por que não pediu proteção?
tem muitas palavras no dicionário, ficaria repetitivo.
entre um ponto e o próximo ninguém sentou do seu lado.
o que antes era uma flor, nada mais sobrou.
quem disse que eu não falei de amor?
o lugar vazio é no peito.
menino, menino pequeno,
solidão não se cura bebendo veneno.
meus óculos embassaram outra vez.

Hudson Vicente.