sábado, 28 de abril de 2018

Como um velho amigo seu



puxa a cadeira. senta aqui nesse banquinho de madeira do meu lado. posso pedir a cerveja? será servida em copo de requeijão. escolhe algo pra comer. cardápio plastificado. garçom, pode mandar a mais gelada. deixa eu cantar nesse dvd improvisado de karaokê. a nossa canção.
não me olha agora. ainda estou escolhendo a segunda música. a tia do amendoim passa e deixa um pouco pra gente provar. o tio das rosas passa e te olha. me encara. você disfarça e fica sem graça. eu sei que você espera que eu te compre uma rosa. abro a carteira e peço logo o buquê. ele ganhou a noite. sorri de orelha a orelha. a gente ganhou vida. você me ganhou quando eu te vi. eu te ganhei quando você sorriu de volta. e não foi para mim.
mas parece que agora o resto do mundo já não importa. canto pra você Nando Reis... "estranho seria se eu não me apaixonasse por você...". eu também me sinto como um velho amigo seu...
faz frio e te cubro com meu abraço. sou seu melhor casaco. você é capaz de ouvir meu coração bater. quem olha em volta não faz cara feia. nem estranha a cena. me sinto em casa. é como se a gente fizesse morada.
te escolhi sob o olhar das estrelas. você me acolheu nessa gelada noite de outono. te desejo pela vida toda. se for um sonho, me deixa dormir. eu preciso sonhar. só mais uma eternidade. antes de partir.

Hudson Vicente.

quinta-feira, 19 de abril de 2018

Sensações



Traz mais uma dose, enche o copo que eu vou virar tudo de uma vez. Preciso me sentir assim: poderoso, desejado, feito uma carreira de cocaína, onde todos querem me cheirar. Cansei de ser o bom garoto e ninguém nunca entender meus sentimentos. Gosto muito mais do vilões. Tentei desafiar o perigo, desesperado, procurando luz para refazer meus caminhos. Errei em todos os romances que apostei. Nenhum deles vingou. Quebrei a cara e o coração. As pessoas sentem prazer em partir os corações alheios. O mundo é cruel, estamos vivendo cada dia com menos interesse. É a era do desapego. Isso tudo é perverso e caro. Quem vai pagar essa conta?

Como é que vou esquecer meus sonhos agora?
Nem todos os dias o reflexo no espelho é bonito e gentil. As segundas-feiras costumam ser pesadas. É um longo caminho levantar-se da cama com o corpo pesado e a moral detonada.
E aqueles olhos, como vou esquecer? Ele tem sonhos tão bonitos dentro dele. É capaz de te desejar pela vida toda. Ouvi dizer que leva tempo, às vezes, uma vida, se tornar aquilo que você nasceu para ser. A busca é incessante. A vida não é feito um balão mágico, é cheia de (in)certezas.
O gelo vai derretendo e eu me sinto nauseado com toda essa sujeira. Queria que meus olhos já não fossem capazes de enxergá-los. Já é o sétimo cigarro que acendo, numa tentativa desesperada de acabar com a pouca dignidade desse lugar. Em vão. Não desce. Nem esse cheiro de maconha me encanta. Me enjoa.
Meu coração, acostumado com tristeza, quando se vê alegre, estranha, não me pertence. Quando sorrio, 'desaguo' em mares, desafio todos a minha volta. Quem paga o preço é o papel. O silêncio lá fora, protesta em forma de solidão. O caos grita. Todo mundo ouve.
Não aguento mais pôr um pingo de álcool na boca. Se eu fechar os olhos agora e olhar para o céu, sei lá se eu viro infinito... segura minha mão se doer. Se eu gritar, me abraça forte. É só uma onda errada. No último flashback, me vi entrando em um buraco negro e minha vida regredindo.
Foi só mais uma viagem... Deixa girar...
- Até onde você vai, garoto?
- Meu medo é tudo parar!

Hudson Vicente.

quinta-feira, 5 de abril de 2018

Respeite minha solidão


Tomei um porre.
Tomei vergonha na cara.
Tomei no cu
ao me lembrar de você.

Corri feito um desesperado quando vi o mar. Quem via, ria, achava simpática aquela cena. Eu estava uma zona, mas quem notaria?
Corri igual criança para abraçar o mar, me perdi em todos os encontros. Não consegui lhe abraçar, ele escapava. Senti vergonha, vontade de sumir. Suas ondas iam e voltavam, eu queria ir mais a frente, ele me trazia de volta pro raso. Não queria me deixar partir. Aceitei. Meio contrariado. Fiquei observando seu ir e vir. Por mais longe que eu tentasse ir, ele me traria de volta.
Sentei na areia, sol forte nas costas. Chorei. Sozinho. Perdido. Igual criança. Ele me ignorou. Aos poucos foi me tocando. Leve, sutil. Beijou meu ouvido, quase me encobriu. Parecia palavras doces. Me entendeu por um minuto o que era partir.
Observei, infinito, a imensidão. Lhe toquei, enfim. Ele ria pra mim. Eu lhe devolvia o sorriso. Meio apavorado, fechei os olhos e agradeci. Um suspiro longo, intenso, terno.
"Tenho tanto sentimento dentro de mim que quando falo deles me sinto pelado e com vontade de vomitar". O que eu faço com isso tudo aqui? Não gritei, não disse mais nada. Só chorei, de frente pro mar. Quando ele me tocou eu senti que eu era forte de novo. Obrigado pela coragem. "Vou sempre ao mar para me encontrar! Respeite minha solidão!".

No mar
meu amor
vira onda.

Ressaca dura? Só água salgada cura!

Hudson Vicente.

segunda-feira, 2 de abril de 2018

Parece partir


O tempo vai levando tudo. A saudade que aperta, a carta que escrevi a lápis e se perdeu; o perfume acabou e já não tenho mais o mesmo cheiro, o aroma agora é forte; minha série favorita foi cancelada, até minha viagem foi adiada; não entrei de férias no verão, passei os dias fugindo de mim, atrás da verdade numa canção que não foi feita para sorrir.
Chorei em um fim de tarde de domingo, exausto. Usei ilícitos para me esquecer; acordei numa cama qualquer, ao meio dia, com sol na cara; a cabeça pouco se lembrava do que o corpo havia feito. Foi melhor assim. Saudade se escreve com pressa.
Senti falta da família reunida como numa fotografia tirada as pressas, na década passada. Parece que foi ontem. Mas não foi. Pai, seu menino sente tua falta. Ele também não é feliz.
É claro que o céu agora está com estrelas, mas sua tristeza não te deixa enxergar. Limpa estes olhos lacrimejados. A lua está opaca. Pouco brilha. Parece sentir de tão longe a tua tristeza. No final da noite, tenta sorrir. Se o caminhar for difícil, tentar sorrir. Nem chá nem café vai resolver isso aí, vai ser sorte!
Viver é uma inconstância. Tem dias que vai estar tudo lindo, céu azul e o lugar suportável. Tem dias que não. Vai dar tudo errado, é barulhento e trágico. A cidade grita, chora e eu me comovo. Tudo meio cinza, nestes dias, me recolho. Não tem dança. Parece fim.
Ele só queria alguns dias não existir, porém as pessoas lhe obrigam a fazer o papel de gente grande, maduro e correto. Cadê aquele menino? Ele tinha sonhos tão bonitos. Cresceu tão rápido que mal deu tempo de dizer para ele não esquecer de sorrir. Vocês estão todos errados. O menino entrou em desespero. Virou adulto e ninguém notou. Só cobrou. E a gente paga um preço por crescer. Tão caro que nem tem valor. Menino se perdeu na dança. Errou todos os passos. Construiu uma armadura, estranha e grossa. É difícil penetrar. É difícil ser sonhador. Ninguém tem tempo pra você. O amor ajuda a vencer.
Quem é você? Sozinho, trancado no escuro do seu quarto, apavorado, com os monstros dentro da sua própria cabeça. É real. Ninguém mandou errar o passo da dança.
Ele é a cara do pai. Sente saudade dele também? Cadê seu pai? Menino rebelde. Tem tudo o que quer. O que mais você quer? Vira homem! Mas chora igual criança... Não vai aprender nunca. Eu não te conheço. Cadê seus amigos? Mãe, seu filho parece partir. A dor de ser exatamente nada, é cruel. Quem vai coçar sua cabeça, te dar beijo na testa antes de dormir e dizer que te ama? Seu monstro é seu próprio espelho.
Virou gente grande. Seu maior pesadelo é sua realidade. Ninguém notou durante muito tempo que a cada dia ele vai indo embora. Era um menino de olhos brilhantes. Hoje, é um adulto triste. Pede socorro. O mundo está te perdendo.
Vai morrendo aos poucos o menino.
Alguém salva ele dele mesmo.
Desculpa meu grito, o meu tempo está passando. Preciso chorar. Vou sempre ao mar para me achar... Respeite minha solidão!

Hudson Vicente.