segunda-feira, 28 de setembro de 2020

Viver e somente isso


Observe a vida pela janela
Repare que o teto esconde as estrelas
A vida é qualquer sentido 
Que te leve para frente
Pode olhar para trás
Mas saiba que não vai encontrar nada de novo por lá
Remoendo, vai reconstruindo, desconstruindo a si
Assim mesmo, quando desmoronar
E o vento vai espalhando, renovando, tirando a poeira do lugar
O destino diz que estava escrito
O acaso ri, debochado
E a vida continua a ser vista por ela
Quem lhe protege, guia seus caminhos
Mesmo fechando a janela, ainda se ouve o uivo do vento e ainda se enxerga a luz escura do céu a noite
Nem de dia o protetor consegue impedir que o sol nasça e te tire da cama
Não dá para controlar
É a vida existindo independente
Viver... e somente isso, a conta sempre chega.

Hudson Vicente.

domingo, 20 de setembro de 2020

A palavra não fala




Na palavra que não diz,
Poeta morre
Na lembrança que falta
Ninguém lembra
Escorrega e não se sabe onde está
Escorado no muro
Olhando o movimento
A rua observa cada passo
E não fala
Na noite oriunda,
Chove
No primeiro dia da primavera
Não nasce flor
Quem é que cala?
A palavra não fala
Amarelo não parece
É Setembro
Poderia ser Novembro
Ninguém morre sem antes sobreviver
Fala
Escancara
Alguém precisa de você
Pode ser eu.

Hudson Vicente.

quarta-feira, 16 de setembro de 2020

À sombra disto


Tenho medo
Em segredo
Do meu passado
A estas horas

O corpo pede descanso
À tarde não sonho
De noite não amo
Perambulo

Amanheço em pranto
Olhos em carne viva
Ávidos, a vida passa diante deles
Não me movo

Em segundos
Verei cinzas
Do meu próprio corpo
Não me salvo.

Hudson Vicente.

terça-feira, 8 de setembro de 2020

Eu te procurei pela Lapa


É claro que eu já não sei o que estou fazendo, também é verdade que te encontrei, perdido pela rua, olhos atordoados, confusos, numa estreita rua, vazia, da Lapa, havia umas garrafas vazias pelo chão, sem marcas, não havia o menor sinal de que estávamos a sós ali, todo mundo observava e conspirava, num desejo súbito, te beijei, te agarrei e te senti.

Meu corpo em chamas, acendia com seu fogo, nada apagava. É claro que a gente sabia que eles olhavam e riam, e no fundo aplaudiam a nossa coragem. O nosso desejo, fogo insano. Aquele tesão acumulado que precisava ser resolvido ali mesmo, num canto estreito daquela rua, embaixo da árvore - não fazia sombra -, recostado num carro já abandonado há meses.

Eles observavam o nosso show, o nosso desejo de carne. Você me devorava em cada chupão, eu já sabia que você me deixaria marcas. Você me apertava e eu me desmanchava nas suas mãos fortes que percoriam cada canto do meu corpo.

Então arriou as calças e disse: aproveita. Ereto, de frente pra mim, todo molhado, só deu tempo de abrir a boca, você estava dentro de mim, quente, pulsando, entrando e saindo, só dava para te enxergar revirando os olhos e gemendo enquanto minha boca estava ocupada, preenchida com seu nervo dentro dela. Enquanto eu me engasgava, você ria e dizia que minha boca era quente, te arrepiava até os mamilos e continuava a socar, segurando minha cabeça. Eu te sentia, não era doce, era gosto de macho, forte, delicioso.

É claro que sentiriam inveja, é claro que gritariam pra gente sair dali. E tivemos que sair, sem que fôssemos presos, depredados, postos para judas em vias públicas. Você segurou minha mão tão forte e corremos, felizes, soltos, donos do mundo. Exalávamos prazer. Segurando sua mão eu tinha certeza de que sabia o que estava fazendo. Era errado e tão bom.

Pra eles a nossa memória. Pra nós, a eternidade de um conto, um romance desconhecido. Sempre que passo pela Lapa me lembro de nós e bate uma vontade de reviver, reescrever e assinar mais uma história.

A garrafa sempre fica quente e eu tenho que ir pedir gelo no bar...
A vida é realmente feita da cor que você enxerga ela.

Hudson Vicente.

domingo, 6 de setembro de 2020

Quando a poesia te pergunta: o que a vida faz ali?


era uma casa
no alto do morro
simples
simpática
comum

ninguém morava ali
janelas entreabertas
porta fechada
o vento trazia e levava poeira
o que se via?

breu
eco
assombros de paz
não tinha miséria 
apesar de assustada
perguntavam:
o que a vida faz ali?

construindo o infinito
desmorando em si
paredes sujas
desdenhadas pelo tempo
não fossem as balas no alto do morro 
alguém ocuparia ali
sem medo

das vielas era um lugar alto
do pico do morro tudo era pequeno
tão bela a vista da cidade de cima
parecia um ponto turístico
mas era só a vista (vida) da favela.

Hudson Vicente.