sexta-feira, 28 de outubro de 2022

Próximo andar


Não tinha belos olhos, me ganhava no sorriso, não lia nenhum livro, não suspirava nenhum poeta, de poesia nada entendia, tinha um corpo quase ideal, falava arrastado, comia letras, parecia sempre apressado, não concluía seu raciocínio, me afetava de um jeito que chegava a irritar, não era óbvio, embora tivesse uma breve brejeirice, vivia dando murros em ponta de faca, se parecia comigo, mas era calmo, me descontinuava, desconcertava, mas não me retraía, secretamente embarcava em minhas ironias, tinha palco mas se continha, só nadava no raso, quando tentava ir ao fundo, tremia, sempre atracado na zona de conforto, eu não alcançava, mas não me perdia, dava dó de suas projeções imaginativas, ainda era um menino, eu também era, não dá pra negar, imperfeito, dengoso, era quente, peculiar, exagerava na dose extra de serotonina, me dava mais atenção do que placas espalhadas de sinalização, o sinal verde fechava, me atravessava o peito, era breve e se perdia, eu quem o resgatava, tinha que estar puxando, fazendo graça, querendo perto, honestamente, era um mundo intrínseco, diferente, de se olhar no espelho e não quebrar, ria e se bastava, era encantador a sua maneira, eu observei e não falei nada, fiz charme e o contemplei, não trocamos mais que meias palavras, mas era como se já estivesse na minha vida há tempos, no botão de espera do próximo elevador.

Hudson Vicente.