quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

Aplausos, a vida é agora



Sobe o silêncio da manhã no Arpoador, me declaro, em um belo nascer do sol, ainda que tímido.
O céu, tão frágil e as nuvens indefesas vão saindo; a temperatura subindo, entre um afago e outros beijos, me entrego, fácil.
Você sorri profundo, olhando o mar de águas cristalinas e várias incertezas, tem receio.
Me traga como um último cigarro, me bebe como álcool no gelo, com os bares ainda fechados.
Segura minha mão, forte; me puxa e caímos, então, no mar. Nus de almas, no vai e vem da maré, seu corpo desliza no meu, quente, sútil.
Olhares curiosos observam a cena, sem entender. Aplaudem. Rimos achando que seria para nós. Não era. Era para o Rei. O Sol. Aplaudimos juntos, de corpos colados, dentro d'água.
Sem tempo e nem casa pra voltar, perdemos a noção do mundo. Fazíamos amor naquelas pedras, inseguros. Te acariciava e contemplava diante da natureza. Recitei Drummond e Quintana, os maiores sentimentos do mundo - e sonhos. Parecia que o dia era pra sempre. E a vida como o quintal da nossa morada.
Morei em nós durante muitas temporadas de solidão. O passado já não importava, te via na minha frente e era tudo que sonhava, meu amor. Amei como num ato súbito de loucura, estávamos entregues à ternura.
Me perdi, me achei, encontrei nós. Viramos e criamos laços.
Final de tarde, sentados, observávamos o sol indo embora. Mais aplausos e gritos e sorrisos e abraços com muitos beijos: entardecemos sós. Nós. E o mundo também.
Agora, noite a fora. As estrelas brilham. A lua não chora: A vida comemora.
Hudson Vicente.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

Por que eu nasci?


olhamos para o céu e pedimos paciência na esperança utópica que vez ou outra sejamos atendidos
queria falar de amor insisto não me deixam falam de amor mas só maltratam
cresci isolado sou da rua desde moleque tive que me virar pai e mãe desconheci
nunca vivi sobrevivi confiei em poucos todos os dias uma luta
olhares me reprovavam me chamavam de vagabundo de dia me batiam de noite sentiam medo de mim
naquela pedra escrevia sobre o amor e sobre os altos muros deixava minha poesia era tudo que eu sabia
eu era como o mar o redentor me abençoava aquele rio todo era meu
acordava com o sol na cara cedo pra vida amor nunca me deram tive que aprender com a vida
às vezes fechava os olhos e conversava com deus eu não entendia: por que tanta gente feliz e eu sofria? pra quê eu vim?
deus nunca se mostrou ou sequer me respondeu cara covarde e injusto se me viu me ignorou
agora já não importa as horas vão passando e eu sinto cada átomo dentro de mim
as verdades me saem entre lágrimas um mar revoltado me leva contra a maré quebra em cima de mim me despedaço
conheci tudo rodei cada canto dessa cidade me apaixonei era maria
entre umas biritas e um rosto desidratado cheirava álcool era só o pó
mas ela se foi como sempre se vão já não tinha mais sonhos ou o brilho nos olhos
me levou tudo que eu tinha o nada o problema foi quando eu encontrei outra
a branquinha foi meu abismo me joguei e estou caindo
vinte anos sol na cara deitado na pedra rindo igual besta constrangendo todos em volta observando a cena - patética
passei fome sede e frio não tive família
em vão perguntei ao cara lá de cima se era a hora não me respondeu
a onda veio forte coração acelerado agora está mais
a gente aceita o fim cansado e maltratado porque é da vida porque a gente tem que partir
e o mundo não me pertence não mais eu sou estatística
me criei no mundão tendo a rua como anfitriã me servia sobrevivência fui até onde deu
olhei para o céu parei silêncio (a)deus.
Hudson Vicente.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

Desgozo da alma


Nosso carnaval é quarta feira de cinzas
Confetes e serpentinas enfeitam
Suores e gozos esparramados pelo chão
Pela casa, na varanda
Da janela muita transa e desejo
Nossa alma suja
Carne feita de carnaval
Era tanto bacanal
Na esquina das ruas
Nos becos apertados das vielas
Como num sopro nos comíamos a festa inteira
Para festejo de nossas almas
Findas carnavalizadas
As marchinhas anunciavam:
Não sabia se era homem ou mulher
Menino ou menina
Tira minha fantasia
Me rasga na avenida
Nus em transe a gente transa
E dança
E pula
E come
Ressaca
Agora para
Sossega
Depois volta pro meio do baile
Perdemos aquele bloco
Nossos nós
E a poesia
Findou
Criamos laços
Desamarramos
Eram Pierrôs e Colombinas
Sem Arlequins para atrapalhar a festa
Malandros, bois, batuqueiros, caboclos
Todos presos no salão
Liberdade
O álcool virou água sem gelo
As luzes se apagaram
Ainda em transe
Final da fantasia
Não foi eterno
(des)mascarados
Acabou
Desgozo da alma
Fim de festa.

Hudson Vicente.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

Desculpa, prometo falhar



eu corro desço o morro peço socorro senão eu morro por desgosto ao te ver partir de novo
fecho os olhos as lágrimas não caem procuro meu cais ruas transversais ladeiras finitas obras tão banais
me sento no chão garrafa na mão queria agora ter um violão te faria uma triste canção repleta de solidão
dou mais um gole teu jeito foi um tiro um golpe mansinho caí me joguei no teu caos amei surtei me entreguei embebedei
teus olhos de ressaca me fizeram pular da sacada de cara embriagada me estrepei na calçada teu amor não existia era só sexo e mais nada
por noites te alcancei nos caminhos que te percorri só restou um rosto acabado em um sábado lotado de frente pro fim de mim
nas auroras que amanheci poucas do teu lado me deixavam esperanças de tudo ser prolongado não eram
motivo eu nunca dei cansei te odiei espero que sofra todo um amor renegado não é do meu caráter mas a vida nos prega peças me esquece pobre diabo.
Hudson Vicente.