domingo, 13 de dezembro de 2020

Dê lírios para sua mente

 

O céu abriu
Daqui não deu pra te ver
Outra vez mudou de cor
Aquarela de Debret

Riscou um ponto no horizonte
Infinito, inconstante
Sutil anil sumiu
Que azul é esse?

Na pressa, não te moldurei
Um quadro só
No fundo do armário
Até esqueci de assinar

Se te acharem por lá
Quando eu me for
Qualquer um pode pintar

Não tem graça, a tinta desmancha
Não tem cor, nem brilho ou humor
Testo teu texto em formas de dor
A luz de dentro já se apagou

Em casa ninguém me nota
Canto mais desafinado que vitrola
Não tenho cara certa
Me falta um pouco de cachola

Se alguém quiser, me enrola
Apago a luz
Olha o céu,
A lua
Não brilha
Acende e apaga as estrelas

Quando vi era dia
Amanheci sem me reconhecer
Te conheci, quis morrer
Agora rasguei o esboço
Pintei onde faltava dor
Acrescentei sentimento
E destruí
Alguém tinha que morrer
Eu não podia ser

Nem segui o roteiro
Meu analista me encaminhou pro psiquiatra
Tomo remédios, esqueço as datas, meu nome, o sabor

Só quando abro a janela e olho lá pra cima, é que me faz sentir amor
Mas nem assim para descobrir quem eu sou

Mais uma dose, por favor
Morfina pra mente
É pra esquecer o que sente
Como? Não lembro.

Hudson Vicente.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

Me viro


menino
virei adulto
calado, falante
virei meu pai
virei minha mãe
um pouco de tudo
a falta de todos
me virei
como pude nesse jogo
nunca virei a casaca
pra jogar em outro time
sempre perdi, nunca ganhei
o jogo não, o campeonato
me virei sozinho
artista, cresci
poeta, criei
moleque, sorri
quando dei por mim, chorei
passarinho, voei
beija-flor, beijei
cheirei o vento
soprou pra longe
nunca me achei
queimei o livro
arranquei páginas
fui lá fora, respirei
senti saudade, voltei
pedi carinho, não achei
gritei socorro, me deprimi
nem Capitu, nem Bentinho
nem Manoel ou Machado
recolho minhas asas
sou passarinho
do avesso
sou metade homem
metade menino
por inteiro sou fogo
que só o mar acalma
na mata eu canto
meu pranto hoje sopra
espalho e voo
tenho quedas livres
sonhos absurdos
no fundo
não há fundo
não me faço de doido
minha loucura é clinicamente sanada
desabo
e não toco violão
infinitos sorrisos
me solto
aprendi a ser inteiro
e só
nada mais
brilho e apago
na mesma frequência
exausto.

Hudson Vicente.

quinta-feira, 19 de novembro de 2020

A vida me venceu


Talvez essa música que esteja tocando seja a canção favorita de alguém. 
Me dê algo para beber agora.
Faz tempo que eu saio e não encontro alguém.
Ando triste demais, mais que todo mundo, queria um colo, um ombro amigo, mas não tenho.
A vida é levantar a cabeça e resolver seus problemas sozinho.
Os poemas desagradam, não fazem sentido.
Viver é uma loucura que não tem valido a pena.
Fugir para qualquer lugar não adianta, Deus parece ter se esquecido.
Queria algo forte pra beber agora.
Deito e já não sonho mais, já não durmo direito, quem vende esperança, troca sonhos por dinheiro.
Inteiro, me sinto quebrado, atropelado, exausto, cansei.
Já não consigo chorar por dor.
Por favor, não toque no amor.
Me deixe aqui e me dê algo forte para esquecer.
Abismo é sobreviver até cansar.
Vou tirar os sapatos, abrir a janela, deixar o vento entrar, vou esperar só o fim dessa canção, depois ouça o barulho, olhe pra baixo, adeus.
Talvez essa música não toque outra vez.

Hudson Vicente.

sexta-feira, 13 de novembro de 2020

Eu nunca cheirei flores na primavera


Estou sempre brigando contigo, te expulsando, te mandando embora. Já passou de meia noite, são quinze pras duas, não tem como tu ir agora. Vou olhar teus retratos e não sentirei mais saudade, parece que roubou tudo de mim, o sorriso, a volta por cima, a vontade de seguir em frente.

Me olho no espelho, em retalhos, me sinto distorcido, alguém que não existe mais. Eu bebi todo veneno no gargalo, nem pra me servir num falso copo de cristal barato. Não sinto nem orgulho de mim. Ninguém entende como te mantenho aqui. Tu ri, faz pouco caso, não aguenta meus dramas. Acha que todo esse sentimento é cafona.

Espero que um dia tu descubras a maravilha que era ficar em minha companhia. Que tu possas sentir agonia em não sentir mais tédio perto de mim. Que tu tenhas a chance de lembrar que virastes tantos versos, mais até que o Chico na vida. 

Vai te doer de longe. Tu só vais me perder. Não rezo por ti. Não sinto alegria em transparecer essa tristeza. Mas eu gosto de onde estou. Meu sonho secreto é te esquecer.
Pra sempre.

Hudson Vicente.

quinta-feira, 12 de novembro de 2020

Ela só amou


Apontei lá pra cima e te dei a lua minguante
Você me perguntou qual era
Disse que era de vovó aquela linda aquarela
O céu em noite de primavera
Uma constelação lunar.

De repente deu tanta saudade dela
Mas sei que me olha 
E me protege dessas mazelas 
Que ficaram por aqui na Terra.

Oh, vovó, hoje eu só quero chorar
Deu tanta saudade dela...
Partiu pra não mais voltar... 
Sei que foi descansar.

Eu fiquei sem ela
Eu fiquei sem verso
Eu fiquei sem chão
Eu fiquei só.

Vovó só amou.
Hoje o céu mudou de cor.

Hudson Vicente.

domingo, 18 de outubro de 2020

Embriaguez


Pra você o amor era um copo sujo, não uma taça de cristal. No breu da noite, ninguém brinda, tem restos de cigarro no cinzeiro, uísque barato pela metade, nariz cansado de tanto cheirar, toca o disco todo do Radiohead no vinil, o tempo corre em câmera lenta, só seu peito acelera e espera o fim, troveja e a noite não acaba.

O dia vai amanhecendo e você fica encarando a última carta, não me responde, não me procura na cama, não se satisfaz. Recolho meus cacos e bato a porta, você não sente saudade quando eu vou embora. Isso não é sobre amor, nós não estamos mais do mesmo lado.

Tem na boca o gosto de ontem. E amanhã vai ser depois. Pupilas ditaladas, pulsam. Na cadeira da sala, sentado em cima dos papéis, sua boca já não fala. Desculpe, eu não posso prosseguir. Você já morreu, só esqueceu de partir. 

Vi no seu olhar, o mundo desabou. Foi você quem se incendiou. Abismado, ainda tem meu cheiro nessa sala. Só você não sente. Não quero mais te olhar daqui. Seu fim é diferente do meu. Caiu e fechou os olhos de cansado. Eu era sua última linha em cima da mesa, o vento espalhou.
Me tirou tudo, menos a roupa.

Hudson Vicente.

sexta-feira, 16 de outubro de 2020

Nem tudo que reluz é ouro


Tinha fogo, mas não queimava
Andava pela areia, mas não chegava na praia
Entrava no mar, mas não se molhava
Mergulhava, mas não nadava
Prometia, mas nunca cumpria
Jurou, pros versos ou a deus
A lembrança ficou
Vento com cheiro de mar calmo
Apodreceu
A flor cinza, morreu
Saudade do que não houve
Como explicar a ressaca?
Dizer adeus não é sufoco
O nó na garganta, a cabeça ainda gira
A despedida é o fim de todo encontro.

Hudson Vicente.

terça-feira, 6 de outubro de 2020

Ah, se todos fossem iguais a você...


Se tu fosse um doce, tu seria um pastel de Belém.
Se tu fosse uma cor, tu seria Verde.
Se tu fosse uma música, queria que fosse composta pelo Caetano e cantada na voz da Marisa Monte.
Se tu fosse um filme, que fosse um drama-romântico, clichê dos anos 2000, baseado em algum livro.
Se tu fosse um poeta, eu te recitaria.
Se tu não fosse um planeta, não teria graça querer conhecer a Via-Láctea: o céu não teria cor e as estrelas da noite não passariam de um borrão iluminado lá em cima.
Se tu não fosse... eu ia dar um jeito de te inventar, só pra ter a certeza que criei uma bela poesia, no ar, um conto, um suspiro.
Ah, se todos fossem assim...
Não chorar, só sorrir.
A tua vida seria mais amor.

Hudson Vicente.

segunda-feira, 28 de setembro de 2020

Viver e somente isso


Observe a vida pela janela
Repare que o teto esconde as estrelas
A vida é qualquer sentido 
Que te leve para frente
Pode olhar para trás
Mas saiba que não vai encontrar nada de novo por lá
Remoendo, vai reconstruindo, desconstruindo a si
Assim mesmo, quando desmoronar
E o vento vai espalhando, renovando, tirando a poeira do lugar
O destino diz que estava escrito
O acaso ri, debochado
E a vida continua a ser vista por ela
Quem lhe protege, guia seus caminhos
Mesmo fechando a janela, ainda se ouve o uivo do vento e ainda se enxerga a luz escura do céu a noite
Nem de dia o protetor consegue impedir que o sol nasça e te tire da cama
Não dá para controlar
É a vida existindo independente
Viver... e somente isso, a conta sempre chega.

Hudson Vicente.

domingo, 20 de setembro de 2020

A palavra não fala




Na palavra que não diz,
Poeta morre
Na lembrança que falta
Ninguém lembra
Escorrega e não se sabe onde está
Escorado no muro
Olhando o movimento
A rua observa cada passo
E não fala
Na noite oriunda,
Chove
No primeiro dia da primavera
Não nasce flor
Quem é que cala?
A palavra não fala
Amarelo não parece
É Setembro
Poderia ser Novembro
Ninguém morre sem antes sobreviver
Fala
Escancara
Alguém precisa de você
Pode ser eu.

Hudson Vicente.

quarta-feira, 16 de setembro de 2020

À sombra disto


Tenho medo
Em segredo
Do meu passado
A estas horas

O corpo pede descanso
À tarde não sonho
De noite não amo
Perambulo

Amanheço em pranto
Olhos em carne viva
Ávidos, a vida passa diante deles
Não me movo

Em segundos
Verei cinzas
Do meu próprio corpo
Não me salvo.

Hudson Vicente.

terça-feira, 8 de setembro de 2020

Eu te procurei pela Lapa


É claro que eu já não sei o que estou fazendo, também é verdade que te encontrei, perdido pela rua, olhos atordoados, confusos, numa estreita rua, vazia, da Lapa, havia umas garrafas vazias pelo chão, sem marcas, não havia o menor sinal de que estávamos a sós ali, todo mundo observava e conspirava, num desejo súbito, te beijei, te agarrei e te senti.

Meu corpo em chamas, acendia com seu fogo, nada apagava. É claro que a gente sabia que eles olhavam e riam, e no fundo aplaudiam a nossa coragem. O nosso desejo, fogo insano. Aquele tesão acumulado que precisava ser resolvido ali mesmo, num canto estreito daquela rua, embaixo da árvore - não fazia sombra -, recostado num carro já abandonado há meses.

Eles observavam o nosso show, o nosso desejo de carne. Você me devorava em cada chupão, eu já sabia que você me deixaria marcas. Você me apertava e eu me desmanchava nas suas mãos fortes que percoriam cada canto do meu corpo.

Então arriou as calças e disse: aproveita. Ereto, de frente pra mim, todo molhado, só deu tempo de abrir a boca, você estava dentro de mim, quente, pulsando, entrando e saindo, só dava para te enxergar revirando os olhos e gemendo enquanto minha boca estava ocupada, preenchida com seu nervo dentro dela. Enquanto eu me engasgava, você ria e dizia que minha boca era quente, te arrepiava até os mamilos e continuava a socar, segurando minha cabeça. Eu te sentia, não era doce, era gosto de macho, forte, delicioso.

É claro que sentiriam inveja, é claro que gritariam pra gente sair dali. E tivemos que sair, sem que fôssemos presos, depredados, postos para judas em vias públicas. Você segurou minha mão tão forte e corremos, felizes, soltos, donos do mundo. Exalávamos prazer. Segurando sua mão eu tinha certeza de que sabia o que estava fazendo. Era errado e tão bom.

Pra eles a nossa memória. Pra nós, a eternidade de um conto, um romance desconhecido. Sempre que passo pela Lapa me lembro de nós e bate uma vontade de reviver, reescrever e assinar mais uma história.

A garrafa sempre fica quente e eu tenho que ir pedir gelo no bar...
A vida é realmente feita da cor que você enxerga ela.

Hudson Vicente.

domingo, 6 de setembro de 2020

Quando a poesia te pergunta: o que a vida faz ali?


era uma casa
no alto do morro
simples
simpática
comum

ninguém morava ali
janelas entreabertas
porta fechada
o vento trazia e levava poeira
o que se via?

breu
eco
assombros de paz
não tinha miséria 
apesar de assustada
perguntavam:
o que a vida faz ali?

construindo o infinito
desmorando em si
paredes sujas
desdenhadas pelo tempo
não fossem as balas no alto do morro 
alguém ocuparia ali
sem medo

das vielas era um lugar alto
do pico do morro tudo era pequeno
tão bela a vista da cidade de cima
parecia um ponto turístico
mas era só a vista (vida) da favela.

Hudson Vicente.

terça-feira, 25 de agosto de 2020

A bateria descarregou


É tarde da noite, não posso te evitar, meus relógios pararam tem uma semana, esqueci outra vez de comprar pilhas para trocar, provavelmente tem umas três horas que estou parado, jogado no sofá, encarando o telefone. Ele não toca. Quase posso ouvir ele chamar, mas ninguém liga. 

Não sinto fome, nem sede. Desde que cheguei da rua não consigo levantar desse buraco, no cinzeiro deve ter quase um maço de cigarro usado, não consigo mais controlar minha crise de ansiedade. O médico suspendeu os comprimidos, a verdade que nem ele mais fazia efeito. E cada gole que dou, sinto meu fígado se corroer.

Eu realmente não tenho mais para quem ligar, ontem te deixei oito mensagens e você não me respondeu, que tanta indiferença é essa...?
Quando eu for embora, não vai adiantar dizer que eu era alguém legal, me mandar umas flores e depois me esquecer.
O seu amor por mim acabou antes mesmo da gente começar, não sei mais o que fazer.

Não sinto mais graça em nada, a tv não me diverte, os jornais estão todos espalhados com cheiro de mofo, daqui um tempo meu contrato acaba, vou ter que entregar o apartamento. Faz tempo que te escrevo, não arrumo mais nada. Estou indo embora junto com essas últimas  carreiras de solidão. Elas me encaram, insistem para eu cheirá-las pela última vez.

Tem dias que não me encaro no espelho. Desde que você foi embora, eu não sei mais o que fazer. Não quero sentir dor. Não dá pra continuar sem você. Meu dinheiro está acabando, as contas se amontoando embaixo do tapete da porta. E nenhuma resposta sua.

Você disse que eu era importante, mas parece não ligar. Quando eu for embora, não quero sua compaixão, não quero flores para uma alma morta.

Sigo todo acelerado, a bateria está descarregando, se eu fechar os olhos agora... eu não volto mais. Não posso mais seguir sem você. Essa parte do caminho é cruel. Mais um tiro para cada nariz, mais doses diárias de uns surtos, um buraco sem fim. Você não pode mais me responder. Ninguém mais pode. E nem vão ligar, se o telefone tocar, não vou mais atender...

Hudson Vicente.

terça-feira, 18 de agosto de 2020

Bar lotado não pode


Dizem agora que bar lotado não pode.
Onde então a gente vai se encontrar? Flertar, trocar passos com a solidão de beber um litrão sozinho ou acompanhado. Chamar os amigos. Postar fotos, hastags, dizer que "sextou".

Às vezes pode ser uma terça, cansado da rotina do trabalho, o gatilho do cansaço.
Falar alto, baixo, não entender, rir sem motivo, ouvir Benito di Paula ou até Raça Negra, que seja, poderia ser Rock, Pop, Samba de enredo.

Que enredo enrolado, quantas mentiras, verdades, cantadas, troca de olhares... a gente anda perdendo...
E a vontade de beijar, de dançar, até de chorar, comprar uma balinha pra ajudar o menino que devia estar estudando, mas estava ali trabalhando, garantir seu pão, ou cigarro, ou outros derivados, vai saber...

Por onde andam vocês? Será que a gente já se esqueceu? Ou ainda vamos nos encontrar?
Pra onde foram nossos sonhos, porres, traumas, aventuras, quando nos trancaram em casa? A gente ainda gosta de socializar?

Sei lá, bar lotado de gente não pode. A música se calou. Não tem mais desconhecidos para desconversar. Os redutos das boêmias e praças congelaram, tudo é tão frio. Não tem paixão. Nem rosa jogada no chão, ao lado da mesa, no fundo do bar.
Tudo ficou tão chato. E não pode.

Hudson Vicente.

quinta-feira, 13 de agosto de 2020

É uma delícia sentir o vento


um encontro marcado
na garupa da sua bicicleta
andando pela cidade
vento no rosto era sinal de liberdade
entre carros e buzinas
duas almas jovens, livres
parecia um conto mas era um encontro
tentarei não descrever um romance
até citei Quintana
senti o cheiro dos pássaros
o canto do dia
a vista era linda
a paisagem escorria pelos olhos
verde da mata do Caçador
água pura da cachoeira da Rainha
uma onda a gente sentia
era fogo também
ardia
os olhares se desejavam
corpo quase desnudo
de pooesia virou conto
será que conto?
vou deixar no imaginário
do verde da mata, do frio das águas, da liberdade da natureza, duas almas jovens, gostosas, livres ao ponto de gozar
aqui tem vida, pode apostar
é uma delícia voar. 

Hudson Vicente.

sexta-feira, 24 de julho de 2020

Uma rosa no peito


E se hoje fosse ontem
Será que você aceitaria
Se eu te convidasse pra dançar
Eu e você até aurora chegar?

Dois pra lá
Dois pra cá
Gira no bar
Segura a bebida

Uma rosa
No peito
Uma bomba
Prestes a explodir

Vou perguntar
Só dessa vez
Pode pensar:
Quer ser infinito comigo?

(eterno)

Hudson Vicente.

quarta-feira, 22 de julho de 2020

Eu, o menino


Quando menino, sonhava em voar, salvar o mundo, ter superpoderes, dar vida a quem merece viver, consertar as pessoas más, rejuvenescer os mais velhos, morar pra sempre dentro do abraço de minha vó, eu era meio torto, avoadinho, não soltava pipa mas vivia com a cabeça no céu, invejava a liberdade sincera dos pássaros, queria ser como eles.
A gente quando é criança quer ser tantas coisas, problema é quando cresce, o brilho dos olhos que vão embora, ofuscados, de repente, nem nos damos conta de quem somos, cadê aquele menino que estava aqui? A vida transformou.
É como se virássemos peças de um quebra-cabeça e é tão difícil de encaixar. Logo eu, que sempre fui tão desajustado. Nunca me encontrei, onde me acho? É o tempo todo seguindo em frente olhando pra trás, como se o passado quisesse me dar às mãos e me permitisse adulto, ainda ser criança, mas não pode, não permite, não dá.
Ser adulto é isso, é triste deixar quem a gente era lá trás. E complicado é ser quem a gente quer ser. Os sonhos são grandes utopias, hoje não posso mais salvar o mundo, mas posso tentar salvar a mim mesmo.
Menino, descansa agora, que eu vou ali tentar consertar as burradas que o adulto fez, eu vou te amar, eu vou sempre te ter. Não dá pra esquecer de você.
Te abandonar é trair a mim mesmo.

Hudson Vicente.

domingo, 12 de julho de 2020

Café forte

Eu falo com as paredes
Quero um café forte (você sabe, eu odeio café)
Nunca vou me acostumar
Eu não amo ninguém

Então, você, topa ser meu clichê?
Uma noite só
Um drink
Som alto sem cafuné

Flor atirada da sacada
Se escandalizou
Despedaçou-se no chão
Parecia a gente

Era gente
Sei não
Quem é que se jogou?
Foi você a frustração?

Me diz que também quer partir
A vida enrolava num lençol
Os pés formigavam
Não sobrou história pra ninguém contar

Em um último suspiro intenso
Imenso
Se foi
Mais alguém?

Eu conto boas histórias também
Agora poucos riem 
Não acham mais graça dessas piadas
Não tá cabendo tanta tristeza nesse corpo

As paredes cansaram de me ouvir
Racharam
O café desceu amargo
Continuo sentado, não amando ninguém.

Hudson Vicente.

quinta-feira, 9 de julho de 2020

Nada mais cabe aqui


O mundo ficou grande
De repente ele não cabia mais aqui dentro
Foi diminuindo os sonhos, olhos entristecendo
Então, decidiu partir, nunca mais nos despedimos
Deixara tanto passado pra trás, a infância, a juventude, seu sorriso de criança, os planos de cuidar dos pais, velhinhos
Não aguentava mais, tudo desmoronou, antes mesmo de crescer
A metamorfose em construção
Um dia vai querer voltar e não vai encontrar nada além de fotografias e memórias no chão
Saudade é o ponteiro do relógio que parou no tempo
O abraço que não alcança, não encontra outra direção
As marcas que o espaço lhe deixar
Só lhe restará silêncio e solidão.

Hudson Vicente.

domingo, 5 de julho de 2020

Eu sou seu amigo


Você nunca mais veio até mim, nunca mais me procurou. Me falam de você, me perguntam de você e nunca sei o que dizer. Só sei de você pelos outros.

Era comigo que você se abria, me contava seus dias, eu te dizia sempre pra ter calma e confiar em mim, as coisas iam melhorar, ainda lembra de mim?

Eu só sei de você pelos outros, soube que você não anda muito bem, que tenta se fazer de forte, eu te conheço melhor do que ninguém, quero ouvir de você também.

Eu sou sempre o mesmo. O carinho que sinto é imenso. Muito me entristece te ver de longe, sem poder te tocar, sem você falar comigo. Está cansado, não é, meu querido?!

Sinto falta das nossas conversas, do seu sorriso involuntário que escondia sua imensa timidez, sua voz falando baixinho em agradecimento por algo que você dizia que eu fiz, eu gosto de te ouvir. Sinto sua tristeza daqui.

Você está triste, não está? Eu sei, em mim, você pode ter certeza que tem um amigo, quem vai sempre te ouvir, vem me procurar.

Pode demorar, o tempo está passando, os dias correndo sem nos dar satisfação, na verdade nunca nos deu. Você se lembra quando foi a última vez que me esqueceu?

Te vi de longe esse tempo todo, batendo cabeça, fechando os olhos, rápido, pediu até que não padeça. Te olhei esse tempo todo, cada caminho sem desproteger.

Será que não está na hora de voltar? Eu sinto sua falta, não vou te cobrar. Antes de tudo, sou seu amigo. Você que nunca mais me procurou. Saudade da nossa amizade. Meu, amigo, que saudade!

Hudson Vicente.

domingo, 28 de junho de 2020

Antes das seis


você parece que gosta de me foder
e não apaga a luz
um jeito louco de gemer
não me deixa dormir

me distrai, me destrói, me retrai
a cabeça cansa
depois de horas acordado
enlace

peço amor
para quem só pode me dar prazer
é um remédio pra cabeça
a solidão permanece de luz acesa

como quem nada quer
chega de mansinho
outra noite
esqueceu o vinho

fala no meu ouvido:
dar pra mim?
eu não falei amar
quero te foder

e agora
me satisfaz
no toque
me deixa no chão

mole
fica duro
do seu jeito
com emoção

o que te excita
me excita
nessa foda bem dada
gozar é brindar a alma

antes das seis
sei que não é amor
então me dá mais um comprimido pra cabeça
ou gotas de solidão, por favor.

Hudson Vicente.

quinta-feira, 18 de junho de 2020

Não espere um final doce


Às vezes bate uma saudade da escola e de alguns bons momentos, do antigo emprego, da galera do cursinho e depois da faculdade, de descer na hora do intervalo, tomar uma cerveja bem gelada no bar, lotado, dizer que estava cansado... saudade também dos amigos, dos encontros fora de hora, de dar like no aplicativo, se arrepender algumas horas...

É normal olhar para trás e sentir-se triste, perdido num caminho, vazio por dentro, esquecido pela vida. Mas já parou pra pensar que você mesmo se esqueceu?

Nesse mundo apressado, que mal tem tempo de parar e respirar, você parece que congelou. Não reage. Deitou-se na cama e não consegue levantar. É uma luta contra si mesmo todos os dias. Seus pensamentos, suas crises, a sua temerosa ansiedade te invade e te convence que você não é capaz. Ela te puxa para o fundo onde ninguém habita. Assustado com tudo, com o mundo, pobre rapaz, não consegue sair.

É preciso ser forte. Acreditar em alguma coisa para te tirar de lá. O caminho de ninguém é florido como aparentam nessas redes sociais. Todo caminho assim como a flor, também tem seus espinhos. Ninguém sabe das suas lutas diárias, o quanto é difícil levantar-se da cama, o quanto sua ansiedade se camufla na tristeza e te convence que você não é mais capaz.

A depressão é silenciosa. Você faz um barulho, briga consigo todos os dias, em silêncio, seus vizinhos não são capazes de te ouvir chorar a noite, seus pais não escutam seus sussurros em forma de desespero. É preciso falar. É preciso saber pedir ajuda sim, querer recomeçar.

Viver evitando a vida, só vai te levar a um caminho. O fracasso, você conhece, como a morte, está do seu lado. Queria que você não fosse figurante na sua própria história. Esse papel não combina contigo. Viver é muito grande e você nem reconhece seu tamanho, o espelho não te mostra. Parece só um borrão, ofuscado pela derrota. Viver, não é assim. Se escondendo até o fim. Não espere um final doce de mim.

Não vai ter.

Hudson Vicente.

quarta-feira, 10 de junho de 2020

Aprendi a lidar com minha loucura

- São muitas vozes.
- Onde?
- Aqui dentro.
- No peito?
- Não, na cabeça.
- E você consegue ouví-las?
- Claro.
- O que elas dizem?
- Não sei, elas gritam. É como se fossem partir.
- Quem?
- Eu.
- E eu?
- Precisa fazer silêncio para ouvir as suas.
- E se nada disserem?
- Você pode estar morto.
- Você está louco.
- Quem de nós não? Agora me dá um abraço? Elas ficam em silêncio quando a gente se distrai.
- E se concentrar-se?
- Elas começam tudo de novo.
- Você está louco.
- Aprendi a lidar com a minha loucura.
- E se explodir?
- Eu não teria tanta sorte... Eu não teria...

Hudson Vicente.

quinta-feira, 4 de junho de 2020

Eu, você e a lua


Conheci um rapaz, trocamos beijos, carícias e um pouco mais.
Enamoramos, só ele, eu e a lua. O melhor relacionamento a três.
Tinha céu, tinha música, tinha nós. Em tão pouco tempo, tinha afeto. É ou não é revolucionário?
Que ninguém me ouça, eu ficaria ali junto contigo por tanto tempo, até a eternidade desconfiaria de tanto sentimento.
Sei lá o que senti, tenho medo de descrever. Outros dirão que foi tesão, não vou negar, te queria, nu, só pra mim, mais perfeito, só o amor.
Ah, e aquela lua também... iluminada, te fazia brilhar.
Quem duvidaria que você era meu astro preferido em toda aquela festa.
Nada separava a estrela do poema. A gente sorria feito de amor.
É tão cedo. Olhei no relógio e parecia tão tarde.
Suspirávamos como dois jovens alucinados. Em busca do que a maioria ostenta, poucos tentam, era vontade de verdade.
Queria ser feliz pra sempre. Felicidade demais enjoa. Não dura, eu sei.
Sua alma me fazia companhia. Nem sei dizer o vi quando nunca te notei.
Alguns encontros a gente escreve pra nunca acabar. Prolonga o caminho, minha alma desalecera, como em êxtase, nós nunca nos conhecemos.
Seria minha fantasia?
Os deuses da poesia que me perdoem, mas eu te encontrei, e perigo não me achar.
Queria eu que essa prosa desse em versos.
Eu, você e a lua. Só.

Hudson Vicente.

quarta-feira, 27 de maio de 2020

Teu medo é o céu desabar?


olha o tamanho do céu
mal cabe o infinito
teus olhos de poesia é cor de mel

em um instante reprimindo
saudade
desloca o peito

é de verdade
que passarinhos moram lá em cima
quem dúvida?

morrer é a arte da eternidade
está no contrato
histórico da humanidade

nunca almejei sucesso
já sonhei em ser livre
pular a janela e partir

nada prende mais
que o medo
de fracassar

é preciso coragem
se enfrentar
gritar na cara do mundo

ele é maior
visto da minha janela
- o mundo?

não
a limitação pelo horizonte vista pelo homem
é tão grande e eu também.

- então
qual o teu medo?
teu céu desabar em nós?

Hudson Vicente.

quarta-feira, 20 de maio de 2020

João, eu queria te escrever um poema de amor!


João pobre e sonhador
Pedro preto e favelado
Viu seus sonhos acabarem
Quando metralharam seu barraco
Invadiram a casa, tiro pra todo lado
Foi embora, não deixou um recado
Todos perguntaram: cadê João Pedro?
Não pode mais ser gente
Roubaram a vida de um inocente
É o retrato desse país tão doente
Deus daí de cima, a gente aqui já se cansou
É tanta tragédia todo dia
É um mundo sem amor
Perdão, nós fracassamos enquanto humanos
A humanidade degringolou...
Onde está o amor?
Não tem um minuto de paz a nossa gente tão sofrida
Parece que esqueceram de amar a Nossa Pátria Mãe Gentil
Hoje ela chora com João Pedro do Brasil.
João, eu queria era te escrever um poema de amor!

Hudson Vicente.

quarta-feira, 29 de abril de 2020

Percalços


o coração
enorme
o mar
opulento
valente
a vida
tá no topo da morte

além das partidas,
chegadas
apesar da dor,
risadas
alegria permanece
em fim
em mim

contente
a distância salva
também
só perde 
o que não prevalece
cadê o amor em forma de prece?
permanece.

Hudson Vicente.

sábado, 11 de abril de 2020

Você é forte


Eu não sei o que você passou, quantos traumas você superou,  quantas cicatrizes ainda estão abertas, quantas vezes disse que estava bem sob lágrimas escorrendo no seu rosto, quantas vezes quis desistir de tudo, foi dormir parecendo o fim do mundo e acordou com a sensação de destruição, eu não sei mesmo. Não sei do quanto já te fizeram mal, de quantas vezes você engoliu o choro, do quanto já caiu e se enganou milhares de vezes com alguém, perdoou alguém só para não parecer que era ingratidão. Eu sinceramente nem faço questão de saber isso tudo. Eu só queria dizer pra você que isso tudo vai passar.
E veja só o quanto você foi forte por ter passado por isso tudo e ainda continuar aqui. Forte. De pé. Tentando. Eu só quero te agradecer, simplesmente por não deixar a poeira baixar, a peteca cair, por não desistir. Você tentou até aqui. Você é forte. Meu muito obrigado por resistir. Fique bem.

Hudson Vicente.

terça-feira, 31 de março de 2020

Anti-herói



amador na vida
procura arte
em amores
que são de marte

tem gosto de solidão
dor em liberdade
grito minha alma
quem possa ouvi-la

cintilante aqui
miúda
maior que a onda
que foge da areia

com medo
do próprio mar
canta o vento
sopra arrepio

pareço só
me escondo das nuvens
não irradia
meu grito não ouço 

acabo sozinho
aplaudo meu fim
diante do (m)ar
sou multidão em outros

faço arte
com pena da morte
escolhida com sorte
vai me guiar

não me restou
nada além de um sol
eloquente na cabeça
aprendi a deixar saudade

olhei o infinito
escolhi o tempo
danado
passou

tinha outros caminhos
quando abri os olhos
a flor despedaçada
em cima da mesa

levou pra longe
meu amor
um quadro torto na parede
e errei os passos da dança

ninguém mais ouvia
quando todo mundo falava
queria desbravar o mundo
mas mal saía de casa

absurdo
sentir saudade
quando não sentia
o coração.

Hudson Vicente.

quinta-feira, 26 de março de 2020

A paisagem é só o céu



nesse isolamento social
tenho feito poesia
das velhas lembranças 
que guardo na gaveta do coração

desenterrei esses dias uma carta escrita debaixo do meu colchão

minha janela é o céu 
luz apaga
luz acende
dia vira noite
madrugada vem insônia

leitura, reza, comprimidos
para a crise sanar
bebo saudade
engulo memórias

retalhos de esperança 
isolado em quarentena
pouco vejo a hora passar
os dias são os mesmos

a programação na TV é só tragédia
o colorido virou cinza
meus livros cheiram naftalina
poeira do tempo deixa a barba crescer

cabelo sem corte
estamos sem norte
parece que está todo mundo programado a morrer
se por sorte que Deus nos salve da morte

ainda ontem achei purpurina e fantasias do carnaval no fundo do guarda roupa
estou uma bagunça
meu quarto parece mais arrumado

nos deram mais quinze dias
e se o dinheiro acabar?
e se a fonte secar?
a poesia vai calar?

inesgotável...

não quero mais reviver passado nessas memórias
preciso do agora

nesse instante quero voar
mas não posso
estou preso dentro do meu l(u)ar

a paisagem é só o céu.


Hudson Vicente.

quarta-feira, 4 de março de 2020

Não me perguntem como tenho passado



Vejo como tenho passado o tempo, me sinto um velho só. Embora seja novo demais para me sentir velho. E só. Eu penso demais o tempo todo. Velho passado e só. O tempo não bate na porta, não acompanho o tic tac do relógio, será que eu me sinto bem?

Alguém pergunta se está tudo bem. Nem dá tempo de responder. Tenho um passado que bate na minha porta, não consigo esquecer. Será que quero? Não consigo responder. Sei lá se me sinto bem. O tempo passa lento e só. O que eu tenho passado nesse tempo só?

Acordei e dei por mim, fotografias espalhadas pelos cantos da casa. Deve ser a poeira do tempo que eu não limpei. Me perguntam se estou bem, não sei responder. Me sinto velho e só. Jovem demais pra reclamar do tempo. Do passado que deixei de lado. Queria me buscar, me acariciar e dizer que vai ficar tudo bem.

Todo mundo tem dias ruins e dias ruins parece não ter fim. Já escrevi pra me salvar de mim. Queria uma dose do tempo do meu passado. Já quis me internar. Ninguém vai cuidar, me acalentar, meu óasis no fim. Um jovem velho com cicatrizes do tempo, neurótico e só. Eu sei que eu erro tanto quanto respiro, às vezes é difícil me suportar assim.

Meu inferno astral é tentar me consertar em segredo. Falho. Um fardo tão pesado, que afundo no meio do mar e não há pássaros para me resgatar. Afundo como Titanic sem medo. Medo, eu só tenho de mim. Não me sinto bem. Mas digo que estou. Velho e só. Ninguém me enxerga, até eu fecharia os olhos pra esse tempo de horror. Não me perguntem do meu passado. Eu nem sei quem eu sou. Jovem e só.

Hudson Vicente.

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2020

Tô indo embora


Amar é caro. Pra eu me encontrar é mais demorado. O ponteiro do relógio dá tantas voltas. E minha hora não chega. Perdi a conta de quantas vezes quis ir embora. Quatro horas de longa espera. Agonizando, quase morrendo. Queria acabar com essa merda toda. Não sentia amor. Tudo secou. Eu não existo pro mundo. E não há mais quem me convença do contrário. Naquela fila de espera de hospital público, sozinho, agonizando, só desejava morrer. Não havia mais sentido nisso aqui. Meus amigos? Cadê? Minha família? Todos ocupados. Liga e ninguém atende. Perdi o amor e o brilho nos olhos.
O mundo, silêncio, faz tempo que me perdeu. Hoje o passarinho cansou do céu, escureceu as vistas, não tem asas, quebrou. Infelizmente a gaiola é a vida.
Olhos tristes já não me enxergam mais. Desculpa, prometi me esquecer.

Hudson Vicente.

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2020

Amar é foda


Queria poder gritar sem parecer absurdo
Te amar é foda
Teu sexo nas noites mais exageradas é força
Persuasão
É sentinela do medo oculto
Carinho em desespero com medo de nunca ficar
Ninguém ficar
E some feito fumaça
No ar teu semblante adormece
Sutil acalento minha alma de frente pra tua
Me deixa gritar sem parecer absurdo 
Me deixa chorar sem parecer histérico
Te amar é foda
E fode com minha vida toda
Eu aceito
Passivo da minha própria dor
Nas noites de loucuras
E tu fica
Sorri sozinho me desejando de perto
Te olho e digo: me come!
Devoro-te enquanto me destrói
Não há traição nesse jogo
Nem tempo para lamentos
Estamos muito ocupados em explorar
Abusa do exagero de me ter
Tu não tem medo de me perder
Eu só queria te falar todos os dias
Entre um gemido e um chupão
Que te quero todos os dias
Com força, com tesão
Mal consigo me explicar
Goza comigo?
Cada um tem uma forma de amar
Amar é foda!

Hudson Vicente.

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2020

Meus vinte e poucos


Estava falido com vinte e quatro anos e não tinha muito o que dizer. As palavras, os cadernos usados e alguns livros ainda fechados, eram minhas únicas memórias. Foi o que sobrou de mim.
Sinto frequentemente um enorme vazio, me olho no espelho e não reconheço, nada além de um borrão. Uma imagem frustrada de alguém que perdeu. Me dói, um desgosto profundo.
É como se não houvesse fantasia para esse carnaval.
Vejo que me olham com tristeza e lamento. Mas o que posso fazer? Ainda sinto o gosto amargo na boca, encontro-me cansado, devastado. Falhei. Não me restou nada no bolso e nem na alma.
Frequentemente pensava no suicídio, em contrapartida, eu não poderia ir embora assim. Não resolveria. No fundo, todo mundo só quer acabar com sua dor. Se meus pais me ouvissem, se desesperariam. Alguns "amigos" apenas riem e dizem que vai passar.
Já ouvi que é falta de terapia, de Deus, de amor... o "caramba a quatro". Terapia talvez seja mesmo. Não há o que se negar. Até quem me vê caminhando na rua percebe que eu não estou bem.
Ainda acredito que dinheiro seja o menor dos meus problemas.
Eu comecei a falhar antes mesmo dos vinte e três...

Hudson Vicente.

terça-feira, 28 de janeiro de 2020

Quero descansar até mais tarde


Depois que morri, vi tanta gente falar que me amava, recebi flores, mensagens afetuosas, recebi diversas homenagens, muita gente me aplaudiu.
Depois que eu morri, fui lembrado por tanta gente que não se lembrava de mim. De repente descobri que fui amado, o escolhido, endeusado, exaltado, ponto de referência.
Depois que eu morri meus tios pararam de brigar, meus pais se abraçaram, ganhei faixas, blusas estampadas com meu rosto e um gosto de saudade ganhou meu nome, virei mídia, status de bom moço, ente querido, melhor amigo.
Depois que eu morri, ouvi muitos arrependimentos, ganhei muitos abraços, declarações de que tudo poderia ter sido diferente.
Precisei morrer para ter valor, que triste.
Por que a gente é assim?
Precisei morrer para receber o amor que não me deram em vida. As mensagens de "depois conversamos, marcamos outro dia, numa outra hora em que eu não tiver mais nada de bom pra fazer, a gente se vê", mostraram-se arrependidas.
Precisei morrer para me darem colo. Afago. Atenção. Precisei morrer pra ganhar abraço, conforto, amor, mas eu já estava dentro do caixão.
Depois de tantos remédios, cotidiano arrastado, gritos silenciados de socorro, depois de estar tão cansado, eu juro que tentei... só que no fundo já tinha partido. Não tinha mais o que se fazer. Eu perdi. Acabou meu tempo. Poderiam ter me dito que eu era importante...  Só que não posso culpar ninguém, isso não iria me fazer ficar. Eu já tinha ido embora. Antes mesmo do corpo adoecer. Dentro da minha cabeça só restava dor, dentro de mim, um enorme vazio.
Nem todas as palavras do mundo seriam suficientes para me fazer ficar. Eu já tinha me abandonado antes de todo mundo.
E eu morri de dor. Aquela que ninguém sente. É por dentro. Te mata. Em silêncio.
Não vou ser cruel em dizer quem me matou. Não existe as razões, os culpados, os porquês, essa conta é minha. Eu me abandonei quando alguém foi embora. Eu me esqueci quando não me deixaram vencer. Eu me autosabotei quando joguei tudo pro ar. Cansei de ser forte o tempo todo. Acabou a diversão. Não teve prazer.
Agora minha alma chora vendo daqui, vocês se solidarizando com minha dor. É tarde demais, agora eu fui. Guardo como a última cena, seus rostos tristes, inundados de lágrimas, um quase arrependimento, uma quase culpa por acharem que poderiam ter feito algo que pudessem me impedir de dormir pra sempre.
Obrigado pelas palavras nunca ditas.
Agora eu também quero descansar até mais tarde.

Hudson Vicente.

quarta-feira, 22 de janeiro de 2020

É o Sol da tarde


Ele é aquele sol gostoso no amanhecer do dia, entrando pela janela, nada muito quente. Ele é aquela chuva que cai pra refrescar o tempo, sem tragédias. Ele é o sorriso no canto da boca por uma mensagem inesperada no final do seu dia, depois de um dia longo de trabalho exaustivo. Ele é a sua banda favorita tocando sua canção favorita no seu dia favorito da semana. Ele é seu poema escrito em só duas linhas com cheiro de saudade no ar. A gente sente. Ele é sua notícia mais emergente no encontro de amigos. Ele é seu drink no bar. Você o chama de alegria, de mundo, de vida. Ele é quem te faz viver. Ele é o mundo conspirando a seu favor, a consequência disso só pode ser amor. Ele é especial. Ele é.

Hudson Vicente. 

quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

"A dor da gente não sai no jornal"




Há jornais velhos espalhados pelos cantos da tua casa, neles há mais tragédia do que revolução. A dor vende mais que histórias com finais felizes.
Eu te observei por um tempo, enquanto se arrumava, trocava de roupa umas três vezes e se perfumava a cada vez que saía do banheiro para o quarto. Falava sozinho com seu cachorro que a esta altura também estava esgotado.
O relógio parecia correr contra mim, não me alcancei. Perdi. O tempo zombou do cinismo, enquanto nós nos perdemos entre datas estampadas em letras miúdas de uma fonte desconhecida de qualquer datilografia. A vida não espera.
Demorei pra notar. A gente demora pra perceber os sinais quando estamos apaixonados. Quando vê, já foi.
Gostaria profundamente que nestes jornais tivessem mais amor e menos sangue, menos lágrimas, menos dores escancaradas. E que sobretudo, nós não tivéssemos nos acostumados com o desamor.
Vai e leva tudo, não deixa nem saudade. No meu livro as histórias tristes também vendem mais.

Hudson Vicente.

terça-feira, 7 de janeiro de 2020

Eles não te conhecem

Eles suspiram por você
Bonito
Forte
Quase inteligente
Seguro
Mágico
Autossuficiente
Corajoso
Cruel
Bonito
Sozinho
Raso
Farto de receber elogios
Olhos penetrantes
Autodidata
Ápice do narciso 
Pouco autruísta
Assim eles suspiram por você
Vazios, rasos
Poucos te preenchem
Te reconhecem
No olhar
No fundo de sua alma
Triste
Aguda
Singela
Misteriosa
Te vejo e perco a respiração
Não aprendi a suspirar
Só a te devorar
Eles não te conhecem.

Hudson Vicente.

domingo, 5 de janeiro de 2020

Poeta ou Palhaço?

eu sou a parte que delira
sonha, sou efeitos
solidão.

sou o caminho
torto
nunca a chegada.

me pedem abraço
no escuro
viro silêncio agudo.

te digo te amo
esqueço de mim
por esses anos.

ele partiu
outro partiu
eu também fui.

caótico
meus versos
de malandro.

cara embriagada
espelho sujo
só se vê um borrão.

na sarjeta
poeta
sofre de amor de novo.

teu coração
é terra de ninguém
você pertence ao todo.

no mundo
ninguém mais diz
fica comigo?

pode rir
me pintaram 
palhaço.

sou triste mas faço
a plateia gargalhar
poeta ou palhaço?

quinta-feira, 2 de janeiro de 2020

Você entende o que eu quero dizer pra você?


pra vida
do outro lado do mundo
não pedi licença pra passar
ontem eu era um peixe
hoje pareço um sabiá
Carcará me invejaria
bobo, sua beleza não se desfaz por conta da minha
tenho asas que tem mais vida
que o beija-flor
meus amigos passarinhos
azul e verde, reflete os vagalumes
era um poema
quase uma reza
meu ritual

o barquinho partiu
maré não virou
evoluiu
me espera que eu tô indo embora
sem ti
sem horas
esquece o adeus
em se despedir
te olhando daqui
impossível não sorrir

tuas águas quentes
inundam meu mar
era um olhar perdido da noite
o quarto escureceu
lampião iluminou mas não tinha Maria Bonita
cigarras já se calaram desde às cinco
amanhã vai fazer sol
tenho andado em busca de solitude
qual é o valor do silêncio?

cheiro guardado no fundo do peito
tiro poeira do sapato do poeta
que descansa os olhos na rede do quintal do vizinho
não é um homem forte nem tão rico mas é quase bonito
passa um café
o jantar ainda vai demorar
esqueci tuas memórias do fim
e se fosse agora?

é hoje que ele se declara
louco
culpado
apaixonado
parece um homem mais velho
deve ser a barba
ou olhos cansados
castanho
moreno
tem sorriso esbranquiçado
cheiro forte de morte que sorte
rapaz pobre solitário
te quis assim mesmo
meu coração perdeu a pressa
sinto medo de rir
e nas estrelas procurar o infinito
passo frio na barriga quando toco teu corpo e sou correspondido
tu parece estar sempre pronto pra mim

rodopiei
ouvi tanta gente dizer
desde a segunda vez eu escolhi acreditar naquilo que senti
mas foi somente na terceira noite de um encontro marcado que me entreguei como uma poesia se derrama toda pelo poeta
perguntou pra mim se queria que continuasse
retórica
ainda disse que sim
esperei não enlouquecer de tanto prazer

depois de alguns embates
vou te deixar ir
não tenho mais forças para lutar com ninguém
sentimento nenhum
gostei de você
mas vai lá em busca do que é vulgar
tem sonhos que são só sonhos 
a gente acorda e não é real

deixei pra falar do amor no final
ele existe mas não se concretiza
é a historia da minha vida
ontem eu era peixe
hoje sou passarinho
peço licença
preciso voar
vai em busca dos teus vestígios
pode nadar, peixinho.

Hudson Vicente.

quarta-feira, 1 de janeiro de 2020

Precipício



Teu vício de amar
Mata mais que cocaína
Te deixa todo acelerado
Coração parece que tomou ecstasy
Alucina, te tira daqui
Parece Nárnia com cogumelos mágicos
Uma dose especial de anestésico
Mais uma gota
Viagem feita de lsd
Garoto, aonde você vai parar?
Teu after às vezes nem chega
Jogado à masmorra quase não acorda
No teu calendário não existe mais segunda-feira
Te invejo por isso
Mas não me mato por puro tédio
Tesão também acaba
Essa loucura vai te destruir
Vai, última dose pra finalizar e acelerar o coração
Teu vício mata mais que cocaína.

Hudson Vicente.