terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

Você sucumbiu


Está me querendo, você sabe.
Só não está sabendo como pedir.
Eu acho graça dessa sua falsa inocência, nem disfarça, tem medo de não convencer.

Tem medo de mim, tem medo de me perder, me diz o que você está querendo, me deixou assim, sem saber.

Até parece deprimido, enjoado, pirracento, moleque, atrevido, assim vou me perder; entra dentro de mim, me bagunça, me destrói, me recompõe, digo vou embora, me puxa de novo, faz um jogo, vou ceder.

É perigoso esse nosso jogo, estou sentindo você. Como um lobo, vou atrás (atrás de você), vou chegar aí, bater no seu porteiro, ele está impedindo minha entrada no seu prédio, ele não sabe que eu sei.

Vou (me) disfarçar, tocar o interfone, subir sem falar meu nome; você vai abrir, eu vou te reconhecer, tem tantos nesse cubículo que você chama de casa: reunião, é só trabalho, mas tem calcinhas e cuecas no chão, a música é ruim, e tem drogas também.

Sobe mais fumaça, todos me olham como se me convidassem a entrar, diferente de você, isso me enjoa, "fiquei puta", sem vontade de tirar a roupa, você me puxa, tenta me convencer, me sinto sujo, te empurro, não vou ceder.

Você perdeu a graça, não tem piada, estou fazendo pirraça, e ainda estou querendo você. Quase três da manhã, ainda colocado, vem me ligar; me chamando pra ser livre contigo, agora eu já tomei meu rivotril e não levanto mais da cama, mesmo você me dizendo que me ama, que quer me comer, apesar dos meus dramas. Desliguei.

Ligou de novo, agora diz que sente saudade, achou incrível eu te procurar, que agora vai me dar valor. Senti tesão, quis te responder, tomei mais sete gotas, apaguei. Nem lembrava mais de você.

Moleque atrevido, toma jeito, não tem medo do perigo que é eu me apaixonar por você. Agora eu sou "a louca" que invade sua casa, te deu dois socos na cara, vulnerável, que morre de amores por um embuste. Quero ir embora, você me tem nas mãos, não deixa. Isso faz bem pro meu ego e pro seu. Mas você quer todo mundo e ainda diz ter medo de me perder.

Não me trate assim; bati sua porta, vou embora, não quero mais sentir seu cheiro em mim. Meu cobertor, meu travesseiro, queimei; escolhi uma cama nova, nada que me fizesse lembrar. Tive que encontrar outros caras, chupar novos nervos eretos que pulsavam dentro de mim, nenhum foi suficiente. Não era coisa de pele, era mais de alma. E de repente sucumbiu.

Tô te querendo, tá me querendo, mas não assim. Não sou tribalhistas: Nós não somos de todo mundo, nem todo mundo é assim. Vou fazer fumaça, vou fazer barulho, vou sumir, só pra não sofrer.

Na sua porta não bato mais, não faço escândalos, destruí nossa música e joguei fora seus perfumes, todos aqueles cheiros que me lembravam você.

Não é voltando atrás, remexendo na dor que a gente se cura. Vou melhorar como pessoa, esquecer você. Mudei a chave da porta, aqui não adianta, não entra mais, nem um disco, nem uma palavra. Silêncio perspicaz.

Botei fogo nas suas roupas, na sua cama, queimei tudo, mas quem arde sou eu.

Hudson Vicente.