terça-feira, 28 de janeiro de 2020

Quero descansar até mais tarde


Depois que morri, vi tanta gente falar que me amava, recebi flores, mensagens afetuosas, recebi diversas homenagens, muita gente me aplaudiu.
Depois que eu morri, fui lembrado por tanta gente que não se lembrava de mim. De repente descobri que fui amado, o escolhido, endeusado, exaltado, ponto de referência.
Depois que eu morri meus tios pararam de brigar, meus pais se abraçaram, ganhei faixas, blusas estampadas com meu rosto e um gosto de saudade ganhou meu nome, virei mídia, status de bom moço, ente querido, melhor amigo.
Depois que eu morri, ouvi muitos arrependimentos, ganhei muitos abraços, declarações de que tudo poderia ter sido diferente.
Precisei morrer para ter valor, que triste.
Por que a gente é assim?
Precisei morrer para receber o amor que não me deram em vida. As mensagens de "depois conversamos, marcamos outro dia, numa outra hora em que eu não tiver mais nada de bom pra fazer, a gente se vê", mostraram-se arrependidas.
Precisei morrer para me darem colo. Afago. Atenção. Precisei morrer pra ganhar abraço, conforto, amor, mas eu já estava dentro do caixão.
Depois de tantos remédios, cotidiano arrastado, gritos silenciados de socorro, depois de estar tão cansado, eu juro que tentei... só que no fundo já tinha partido. Não tinha mais o que se fazer. Eu perdi. Acabou meu tempo. Poderiam ter me dito que eu era importante...  Só que não posso culpar ninguém, isso não iria me fazer ficar. Eu já tinha ido embora. Antes mesmo do corpo adoecer. Dentro da minha cabeça só restava dor, dentro de mim, um enorme vazio.
Nem todas as palavras do mundo seriam suficientes para me fazer ficar. Eu já tinha me abandonado antes de todo mundo.
E eu morri de dor. Aquela que ninguém sente. É por dentro. Te mata. Em silêncio.
Não vou ser cruel em dizer quem me matou. Não existe as razões, os culpados, os porquês, essa conta é minha. Eu me abandonei quando alguém foi embora. Eu me esqueci quando não me deixaram vencer. Eu me autosabotei quando joguei tudo pro ar. Cansei de ser forte o tempo todo. Acabou a diversão. Não teve prazer.
Agora minha alma chora vendo daqui, vocês se solidarizando com minha dor. É tarde demais, agora eu fui. Guardo como a última cena, seus rostos tristes, inundados de lágrimas, um quase arrependimento, uma quase culpa por acharem que poderiam ter feito algo que pudessem me impedir de dormir pra sempre.
Obrigado pelas palavras nunca ditas.
Agora eu também quero descansar até mais tarde.

Hudson Vicente.

quarta-feira, 22 de janeiro de 2020

É o Sol da tarde


Ele é aquele sol gostoso no amanhecer do dia, entrando pela janela, nada muito quente. Ele é aquela chuva que cai pra refrescar o tempo, sem tragédias. Ele é o sorriso no canto da boca por uma mensagem inesperada no final do seu dia, depois de um dia longo de trabalho exaustivo. Ele é a sua banda favorita tocando sua canção favorita no seu dia favorito da semana. Ele é seu poema escrito em só duas linhas com cheiro de saudade no ar. A gente sente. Ele é sua notícia mais emergente no encontro de amigos. Ele é seu drink no bar. Você o chama de alegria, de mundo, de vida. Ele é quem te faz viver. Ele é o mundo conspirando a seu favor, a consequência disso só pode ser amor. Ele é especial. Ele é.

Hudson Vicente. 

quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

"A dor da gente não sai no jornal"




Há jornais velhos espalhados pelos cantos da tua casa, neles há mais tragédia do que revolução. A dor vende mais que histórias com finais felizes.
Eu te observei por um tempo, enquanto se arrumava, trocava de roupa umas três vezes e se perfumava a cada vez que saía do banheiro para o quarto. Falava sozinho com seu cachorro que a esta altura também estava esgotado.
O relógio parecia correr contra mim, não me alcancei. Perdi. O tempo zombou do cinismo, enquanto nós nos perdemos entre datas estampadas em letras miúdas de uma fonte desconhecida de qualquer datilografia. A vida não espera.
Demorei pra notar. A gente demora pra perceber os sinais quando estamos apaixonados. Quando vê, já foi.
Gostaria profundamente que nestes jornais tivessem mais amor e menos sangue, menos lágrimas, menos dores escancaradas. E que sobretudo, nós não tivéssemos nos acostumados com o desamor.
Vai e leva tudo, não deixa nem saudade. No meu livro as histórias tristes também vendem mais.

Hudson Vicente.

terça-feira, 7 de janeiro de 2020

Eles não te conhecem

Eles suspiram por você
Bonito
Forte
Quase inteligente
Seguro
Mágico
Autossuficiente
Corajoso
Cruel
Bonito
Sozinho
Raso
Farto de receber elogios
Olhos penetrantes
Autodidata
Ápice do narciso 
Pouco autruísta
Assim eles suspiram por você
Vazios, rasos
Poucos te preenchem
Te reconhecem
No olhar
No fundo de sua alma
Triste
Aguda
Singela
Misteriosa
Te vejo e perco a respiração
Não aprendi a suspirar
Só a te devorar
Eles não te conhecem.

Hudson Vicente.

domingo, 5 de janeiro de 2020

Poeta ou Palhaço?

eu sou a parte que delira
sonha, sou efeitos
solidão.

sou o caminho
torto
nunca a chegada.

me pedem abraço
no escuro
viro silêncio agudo.

te digo te amo
esqueço de mim
por esses anos.

ele partiu
outro partiu
eu também fui.

caótico
meus versos
de malandro.

cara embriagada
espelho sujo
só se vê um borrão.

na sarjeta
poeta
sofre de amor de novo.

teu coração
é terra de ninguém
você pertence ao todo.

no mundo
ninguém mais diz
fica comigo?

pode rir
me pintaram 
palhaço.

sou triste mas faço
a plateia gargalhar
poeta ou palhaço?

quinta-feira, 2 de janeiro de 2020

Você entende o que eu quero dizer pra você?


pra vida
do outro lado do mundo
não pedi licença pra passar
ontem eu era um peixe
hoje pareço um sabiá
Carcará me invejaria
bobo, sua beleza não se desfaz por conta da minha
tenho asas que tem mais vida
que o beija-flor
meus amigos passarinhos
azul e verde, reflete os vagalumes
era um poema
quase uma reza
meu ritual

o barquinho partiu
maré não virou
evoluiu
me espera que eu tô indo embora
sem ti
sem horas
esquece o adeus
em se despedir
te olhando daqui
impossível não sorrir

tuas águas quentes
inundam meu mar
era um olhar perdido da noite
o quarto escureceu
lampião iluminou mas não tinha Maria Bonita
cigarras já se calaram desde às cinco
amanhã vai fazer sol
tenho andado em busca de solitude
qual é o valor do silêncio?

cheiro guardado no fundo do peito
tiro poeira do sapato do poeta
que descansa os olhos na rede do quintal do vizinho
não é um homem forte nem tão rico mas é quase bonito
passa um café
o jantar ainda vai demorar
esqueci tuas memórias do fim
e se fosse agora?

é hoje que ele se declara
louco
culpado
apaixonado
parece um homem mais velho
deve ser a barba
ou olhos cansados
castanho
moreno
tem sorriso esbranquiçado
cheiro forte de morte que sorte
rapaz pobre solitário
te quis assim mesmo
meu coração perdeu a pressa
sinto medo de rir
e nas estrelas procurar o infinito
passo frio na barriga quando toco teu corpo e sou correspondido
tu parece estar sempre pronto pra mim

rodopiei
ouvi tanta gente dizer
desde a segunda vez eu escolhi acreditar naquilo que senti
mas foi somente na terceira noite de um encontro marcado que me entreguei como uma poesia se derrama toda pelo poeta
perguntou pra mim se queria que continuasse
retórica
ainda disse que sim
esperei não enlouquecer de tanto prazer

depois de alguns embates
vou te deixar ir
não tenho mais forças para lutar com ninguém
sentimento nenhum
gostei de você
mas vai lá em busca do que é vulgar
tem sonhos que são só sonhos 
a gente acorda e não é real

deixei pra falar do amor no final
ele existe mas não se concretiza
é a historia da minha vida
ontem eu era peixe
hoje sou passarinho
peço licença
preciso voar
vai em busca dos teus vestígios
pode nadar, peixinho.

Hudson Vicente.

quarta-feira, 1 de janeiro de 2020

Precipício



Teu vício de amar
Mata mais que cocaína
Te deixa todo acelerado
Coração parece que tomou ecstasy
Alucina, te tira daqui
Parece Nárnia com cogumelos mágicos
Uma dose especial de anestésico
Mais uma gota
Viagem feita de lsd
Garoto, aonde você vai parar?
Teu after às vezes nem chega
Jogado à masmorra quase não acorda
No teu calendário não existe mais segunda-feira
Te invejo por isso
Mas não me mato por puro tédio
Tesão também acaba
Essa loucura vai te destruir
Vai, última dose pra finalizar e acelerar o coração
Teu vício mata mais que cocaína.

Hudson Vicente.