E o céu tudo muito azul
coeso
aceso olhando forte minha janela
lembrava o inverno de noventa e seis
quando eu nasci
o vento espalhava minha insensatez
domingo quem brincava comigo?
no sol a esperança perdida das flores
que murcharam no vai e vem da estação
quem me acordava sorrindo e beijando minha face
devagarinho sussurrando meu ouvido
dizendo coisas lindas que eu nunca tinha sentido
era carinho que afetava
abraço que preenchia
mão que não soltava
a praia era uma ilha dentro de casa
senti por dias o cheiro e o gosto do afago dela
o cafuné na cabeça, rezei
rezei por eles e por nós também
se eu apagar, me acende
às vezes tremo nas palavras
nada me sai
fico na sarjeta ilhado na lama
se eu beber me afogo e acredite
não tem quem me levante
hoje a saudade mora no céu
lembro sempre de noventa e seis
não tem um dia que eu não sorria e sinta falta dela
estou me declarando pra natureza
tentando me salvar
em sentinela
nunca mais toquei o céu
vejo frequentemente desabar
me escondo como criança que sente lonjuras de arrepio
tremendo de medo do rio em cada trovão anunciado de lá
estou repleto de passado
nostálgico de agora
minha flor é um girassol na tempestade
abre e fecha o guarda chuva
tem chuva que não molha
tem vento que não acaricia
mas beija minha face
como outrora
e a sorrir
me prende no ar
meu dilúvio é (a)mar
desde noventa e seis.
Hudson Vicente.