Deixei de ser garota de programa. Cansativo essa vida de dar
prazer às pessoas a hora que elas bem querem. E amor? Quem sente? Eu não sinto
nem por mim. Me abraçavam como se eu fosse papel. Não existia carinho em noites
frias. Era sempre difícil sentir tesão às seis horas da manhã, em uma segunda
feira. Eu sou apenas um pedaço de carne, e a vida é suja. Tentei renascer todos
os dias, mas a cara de puta não mudava. Me olhavam na rua e me devoram, me
estupravam com todos os olhos e ainda me julgavam não ser uma pessoa decente.
Já fui pra cama com dez. Em uma noite só dei pra vinte e três, em consciência.
Já usei, sim, todos os tipos de drogas. Os caras ainda me davam presentes.
Queriam me apresentar até como esposa. Eu aceitava, é claro. Estavam pagando.
Eu estou envelhecendo. As rugas já brotam nos meus olhos cansados. E as
grandes damas sentem-se ameaçadas quando estou por perto. Sentem medo de eu
lhes roubar vossos maridos. Tolas, aqueles brochas parecem bichas. Já me
cansei de chupar aqueles pintos murchos. Nenhum deles me fizeram gozar. Eu
sempre tive que usar o próprio dedo. Homem parece que não serve mais pra porra
nenhuma.
Teve um que eu me apaixonei, as putas também amam, ora! Era carinhoso
demais, lindo, moreno, bem dotado. Fodia como poucos. Para ele eu dava até de
graça, pedia sempre pra sair assada, e ele nunca me decepcionava. Mas o
desgraçado não valia nada também, começou a sair com uma putinha mais nova e a bancou.
Sumiram. Me prometeu viagens, eu que viajei. Não sai dessa cidade fajuta.
Agora
escrevo essa carta me perguntando como posso renascer diferente todos os dias?
Como sofro com cada calo, andando de salto alto, gasto, o dia todo, por essas
esquinas perigosas. Já perdi as contas de quantas vezes tive que bater de
frente com travesti folgada, querendo cantar de galo na minha zona. Hoje deixo
pra lá, envelheci. Me olho no espelho e meus olhos estão com olheiras fundas; maquiagem barata, já não dá muito jeito, fazer o quê? Já assumo meus quarenta e
poucos anos. Quase cinquenta. Estou deixando essa vida. Mas a vida vai me deixar? O
que eu construí até agora? Queria renascer amanhã e contar outra história.
Meus ombros doem, meus pés estão cheios de bolhas. Minha família não me ama.
Ninguém nunca mais se apaixonou por mim. Será que eu morri e ainda não percebi?
Talvez amanhã eu amanheça um pouco diferente...
Em uma noite fria, eu sou marcas de batom no teu copo vazio!
Em uma noite fria, eu sou marcas de batom no teu copo vazio!
Hudson Vicente.
Que tiro no coração. Li em voz alta! Talento. Vai longe 😍
ResponderExcluirMas a vida vai me deixar? O que eu construí até agora? Queria renascer amanhã e contar outra história
ResponderExcluirCaralho. Meu amigo eu to em choque. Voce é um grande talento. Como pode? Isso me arrepiou dos pés a cabeça. Quanta entrega nessas palavras. Consegui visualizar a cena na minha cabeça. Que talento vc é amigo. Nao posso deixar de ler seu site. Você é muuuuito bommm..parabens. Rodrigo Uberlandia MG
ResponderExcluirUau !
ResponderExcluirOh, meu amigo, como fico feliz em observar, a cada nova investida, um crescente sem fim de teu beletrismo! O que dizer desta "viagem", um tanto quanto diferente das até agora apresentadas, mas que, indelével e absurdamente, apresenta um novo eu-lírico (ou seria o eu-lírico real? Saber, quem há-de?), putano, putanheiro, sedutor, arrebatador! bora, bora, bora, bora lá, pois o dia tarde e a noite, que nos inspira a todos, vem trazendo seu perfumes em forma de inspiração e vontade de ler, de escrever, de devorar e do "decifra-me ou te devoro"!
ResponderExcluir