domingo, 18 de outubro de 2020

Embriaguez


Pra você o amor era um copo sujo, não uma taça de cristal. No breu da noite, ninguém brinda, tem restos de cigarro no cinzeiro, uísque barato pela metade, nariz cansado de tanto cheirar, toca o disco todo do Radiohead no vinil, o tempo corre em câmera lenta, só seu peito acelera e espera o fim, troveja e a noite não acaba.

O dia vai amanhecendo e você fica encarando a última carta, não me responde, não me procura na cama, não se satisfaz. Recolho meus cacos e bato a porta, você não sente saudade quando eu vou embora. Isso não é sobre amor, nós não estamos mais do mesmo lado.

Tem na boca o gosto de ontem. E amanhã vai ser depois. Pupilas ditaladas, pulsam. Na cadeira da sala, sentado em cima dos papéis, sua boca já não fala. Desculpe, eu não posso prosseguir. Você já morreu, só esqueceu de partir. 

Vi no seu olhar, o mundo desabou. Foi você quem se incendiou. Abismado, ainda tem meu cheiro nessa sala. Só você não sente. Não quero mais te olhar daqui. Seu fim é diferente do meu. Caiu e fechou os olhos de cansado. Eu era sua última linha em cima da mesa, o vento espalhou.
Me tirou tudo, menos a roupa.

Hudson Vicente.

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