segunda-feira, 16 de agosto de 2021

Noventa e seis




E o céu tudo muito azul

coeso

aceso olhando forte minha janela

lembrava o inverno de noventa e seis

quando eu nasci

 

o vento espalhava minha insensatez

domingo quem brincava comigo?

no sol a esperança perdida das flores

que murcharam no vai e vem da estação

 

quem me acordava sorrindo e beijando minha face

devagarinho sussurrando meu ouvido

dizendo coisas lindas que eu nunca tinha sentido

 

era carinho que afetava

abraço que preenchia

mão que não soltava

a praia era uma ilha dentro de casa

 

senti por dias o cheiro e o gosto do afago dela

o cafuné na cabeça, rezei

rezei por eles e por nós também

se eu apagar, me acende

 

às vezes tremo nas palavras

nada me sai

fico na sarjeta ilhado na lama

se eu beber me afogo e acredite

não tem quem me levante

 

hoje a saudade mora no céu

lembro sempre de noventa e seis

não tem um dia que eu não sorria e sinta falta dela

estou me declarando pra natureza

tentando me salvar

em sentinela

 

nunca mais toquei o céu

vejo frequentemente desabar

me escondo como criança que sente lonjuras de arrepio

tremendo de medo do rio em cada trovão anunciado de lá

 

estou repleto de passado

nostálgico de agora

minha flor é um girassol na tempestade

abre e fecha o guarda chuva

tem chuva que não molha

tem vento que não acaricia

mas beija minha face

como outrora

 

e a sorrir

me prende no ar

meu dilúvio é (a)mar

desde noventa e seis.


Hudson Vicente.

Nenhum comentário:

Postar um comentário