sexta-feira, 2 de fevereiro de 2018

Me recuso a afundar



Acordei. Talvez com mais sono do que quando fui dormir. Despertei. Antes mesmo do despetador. E silenciei o barulho do caos aqui dentro. Lá fora as horas vão transcorrerem como tem de ser. E não há nada que eu possa fazer para mudar a ordem cronológica das coisas.
O mundo, esse purgatório, a gente mais sobrevive do que vive. Essa é minha realidade. Olhei pro meu corpo nu, rabiscado, cheio de tatuagens. Quase senti a dor de cada traço que aqui foi feito. Respirei aliviado. É tudo real. Corri para o banho. Foi como tirar toda a sujeira de uma vida em apenas algumas ensaboadas. Me olhei de novo. Agora, me encarei no espelho. Olhei no fundo dos meus sonhos, digo olhos. Não tive medo. Ainda que lá no fundo, brilhava. E então, atirei um sorriso sem graça. Suspirei. Vamos encarar?
Saí para viver o dia. Encontrei uma flor jogada no chão. A poesia está viva. Mesmo quando me escapole. Óculos escuro no rosto. Dessa vez é pra disfarçar as olheiras, e não esconder olhares. Que saudade eu estava de mim. Acordar bem. Disposto. Quase feliz. A rotina me esgota. Bati o portão de casa. Falei baixinho, com a mão no peito: vai dar tudo certo, vai ficar tudo bem.
Já perdi a conta de quantas vezes eu recomecei. De quantas vezes já larguei da mão da vida e chorei no ônibus, mudo, vendo buzinas e carros e gente sofrida, fria e feliz lá fora. É um longo caminho sempre. Deixei a barba por fazer. É meu estado de solidão. Por favor, não interrompam. Fui no barbeiro e cortei o cabelo. Em seguida o trabalho. Mais um dia. Ou menos um dia? Quando se é jovem, a gente conta mais um, um certo amigo uma vez me disse. Mas, no auge dos meus surtos, desconsiderei. Deixei pra lá. Pode ser que faça mais sol, pode ser que chova. São muitas incertezas até a minha volta pra casa. Mas sabe o que eu aprendi com isso tudo? Que nenhuma dor é eterna, mas o sofrimento, a entrega de desamores por ele, é opcional, parafraseando meu grande poeta!
Sempre esperam coragem da gente. Tudo bem, não vou cair agora! Em um dos meus traços pelo corpo, diz assim: "me recuso a afundar" e os pássaros puxando a âncora, o peso.
Com licença, eu vou voar.

Hudson Vicente.

2 comentários:

  1. Meu menino, parabéns por mais um belo texto! Bora escrever mais e mais, pois o ofício das belas letras demanda prática, se possível com exercício diário, para que o primor aconteça, viu? Abraços e tudo de bom!

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