segunda-feira, 2 de abril de 2018

Parece partir


O tempo vai levando tudo. A saudade que aperta, a carta que escrevi a lápis e se perdeu; o perfume acabou e já não tenho mais o mesmo cheiro, o aroma agora é forte; minha série favorita foi cancelada, até minha viagem foi adiada; não entrei de férias no verão, passei os dias fugindo de mim, atrás da verdade numa canção que não foi feita para sorrir.
Chorei em um fim de tarde de domingo, exausto. Usei ilícitos para me esquecer; acordei numa cama qualquer, ao meio dia, com sol na cara; a cabeça pouco se lembrava do que o corpo havia feito. Foi melhor assim. Saudade se escreve com pressa.
Senti falta da família reunida como numa fotografia tirada as pressas, na década passada. Parece que foi ontem. Mas não foi. Pai, seu menino sente tua falta. Ele também não é feliz.
É claro que o céu agora está com estrelas, mas sua tristeza não te deixa enxergar. Limpa estes olhos lacrimejados. A lua está opaca. Pouco brilha. Parece sentir de tão longe a tua tristeza. No final da noite, tenta sorrir. Se o caminhar for difícil, tentar sorrir. Nem chá nem café vai resolver isso aí, vai ser sorte!
Viver é uma inconstância. Tem dias que vai estar tudo lindo, céu azul e o lugar suportável. Tem dias que não. Vai dar tudo errado, é barulhento e trágico. A cidade grita, chora e eu me comovo. Tudo meio cinza, nestes dias, me recolho. Não tem dança. Parece fim.
Ele só queria alguns dias não existir, porém as pessoas lhe obrigam a fazer o papel de gente grande, maduro e correto. Cadê aquele menino? Ele tinha sonhos tão bonitos. Cresceu tão rápido que mal deu tempo de dizer para ele não esquecer de sorrir. Vocês estão todos errados. O menino entrou em desespero. Virou adulto e ninguém notou. Só cobrou. E a gente paga um preço por crescer. Tão caro que nem tem valor. Menino se perdeu na dança. Errou todos os passos. Construiu uma armadura, estranha e grossa. É difícil penetrar. É difícil ser sonhador. Ninguém tem tempo pra você. O amor ajuda a vencer.
Quem é você? Sozinho, trancado no escuro do seu quarto, apavorado, com os monstros dentro da sua própria cabeça. É real. Ninguém mandou errar o passo da dança.
Ele é a cara do pai. Sente saudade dele também? Cadê seu pai? Menino rebelde. Tem tudo o que quer. O que mais você quer? Vira homem! Mas chora igual criança... Não vai aprender nunca. Eu não te conheço. Cadê seus amigos? Mãe, seu filho parece partir. A dor de ser exatamente nada, é cruel. Quem vai coçar sua cabeça, te dar beijo na testa antes de dormir e dizer que te ama? Seu monstro é seu próprio espelho.
Virou gente grande. Seu maior pesadelo é sua realidade. Ninguém notou durante muito tempo que a cada dia ele vai indo embora. Era um menino de olhos brilhantes. Hoje, é um adulto triste. Pede socorro. O mundo está te perdendo.
Vai morrendo aos poucos o menino.
Alguém salva ele dele mesmo.
Desculpa meu grito, o meu tempo está passando. Preciso chorar. Vou sempre ao mar para me achar... Respeite minha solidão!

Hudson Vicente.

3 comentários:

  1. Muito massa essa crônica/conto, repleta das indecisões e solicitações pelas quais a alma do seu eu-poético grita!

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  2. Uauuuu! Lindíssimo texto! Profundamente delicado e terno! Parabéns!

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