terça-feira, 25 de agosto de 2020

A bateria descarregou


É tarde da noite, não posso te evitar, meus relógios pararam tem uma semana, esqueci outra vez de comprar pilhas para trocar, provavelmente tem umas três horas que estou parado, jogado no sofá, encarando o telefone. Ele não toca. Quase posso ouvir ele chamar, mas ninguém liga. 

Não sinto fome, nem sede. Desde que cheguei da rua não consigo levantar desse buraco, no cinzeiro deve ter quase um maço de cigarro usado, não consigo mais controlar minha crise de ansiedade. O médico suspendeu os comprimidos, a verdade que nem ele mais fazia efeito. E cada gole que dou, sinto meu fígado se corroer.

Eu realmente não tenho mais para quem ligar, ontem te deixei oito mensagens e você não me respondeu, que tanta indiferença é essa...?
Quando eu for embora, não vai adiantar dizer que eu era alguém legal, me mandar umas flores e depois me esquecer.
O seu amor por mim acabou antes mesmo da gente começar, não sei mais o que fazer.

Não sinto mais graça em nada, a tv não me diverte, os jornais estão todos espalhados com cheiro de mofo, daqui um tempo meu contrato acaba, vou ter que entregar o apartamento. Faz tempo que te escrevo, não arrumo mais nada. Estou indo embora junto com essas últimas  carreiras de solidão. Elas me encaram, insistem para eu cheirá-las pela última vez.

Tem dias que não me encaro no espelho. Desde que você foi embora, eu não sei mais o que fazer. Não quero sentir dor. Não dá pra continuar sem você. Meu dinheiro está acabando, as contas se amontoando embaixo do tapete da porta. E nenhuma resposta sua.

Você disse que eu era importante, mas parece não ligar. Quando eu for embora, não quero sua compaixão, não quero flores para uma alma morta.

Sigo todo acelerado, a bateria está descarregando, se eu fechar os olhos agora... eu não volto mais. Não posso mais seguir sem você. Essa parte do caminho é cruel. Mais um tiro para cada nariz, mais doses diárias de uns surtos, um buraco sem fim. Você não pode mais me responder. Ninguém mais pode. E nem vão ligar, se o telefone tocar, não vou mais atender...

Hudson Vicente.

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