domingo, 31 de janeiro de 2021

Não se vive só uma vez


A gente ria. Eu esboçava poesia pela Lapa. Recitava Camões, Drummond e até Almodóvar, ainda que não contasse as histórias deles. Tinha paixão nos olhos, álcool no copo, um brinde, gente feliz em volta, dois gatos, gente mascarada, música alta, música chata, era prazeroso cada encarada que a gente dava, soltos, sorrindo como se o caos, naquela escadaria, não existisse.

No primeiro ato um abraço, contido, apertado. No segundo, carinho nas mãos, um beijo no canto do rosto, sorriso, quase tesão. Antes mesmo do beijo, concreto, definitivo, língua com língua, cheiro no pescoço e mais caipirinha. E há quem aplaudisse, quem esbanjasse poesia, fotografasse a cena. Mais duas voltas por aquelas ruas sujas, escuras, quentes, carros buzinavam, a gente ria, ardia, sentia tesão. E pulsava.

Bom é quando se dar, sem doer. Quase meia noite e a gente feliz. Correndo perigo e nos divertindo com as caras dos outros, a maldade nos olhos daqueles que viam dois homens se beijando, se esfregando, no canto da avenida. Escorados na grade, um sentindo a pele do outro, cada toque e um arrepio.

Te descreveria como uma grande aventura; alcoolizados, despudorados, safados. Era impossível não te olhar e não querer te beijar, nem mesmo dentro de um ônibus lotado, quente, cheio de gente torta e esquisita em volta. A vontade que dava era me "atracar" com você na frente de todos, te arrancar a roupa e transar (e chupar), porque todos deveriam assistir o ensaio que nós íamos dar. Mas nos contivemos para não cometermos um crime, para não sermos apedrejados em vias públicas.

Fiquei triste (por eles). Tesão é assim, uma aventura, um encontro marcado, o universo manda e você vai, com calma, coragem e vai. Voar não é um privilégio só dos pássaros.

Hudson Vicente.

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